Doctrina
Seguridad regional en el Mercosur: tratados y mecanismos de cooperación para combatir la criminalidad transnacional
Regional Security in Mercosur: Treaties and Cooperation Mechanisms to Combat Transnational Crime
1Bacharel
em Direito, Faculdade CESUSC, Florianópolis, Brasil. ORCID: 0000-0002- 9462-6893.
Contacto: valentinafabeiro@hotmail. com
Resumo: Ante a ascendente
onda de criminalidade em seus territórios, os Estados-partes do
Mercosul viram-se frente à necessidade de desenvolver ações
específicas para combatê- la. Nessa conjuntura, os membros do
bloco passaram a desenvolver instrumentos, como convenções
internacionais e acordos firmados multilateralmente e
bilateralmente, com o fim de promover uma cooperação policial mais
efetiva para combater o crime organizado transnacional, em
especial no que concerne aos crimes de tráfico de drogas, armas e
contrabando. A partir desta perspectiva utilizamos o método
hipotético-dedutivo e histórico-comparativo para desenvolver a
pesquisa e, assim, buscamos analisar a aplicabilidade dos acordos
sobre segurança regional e cooperação policial desenvolvidos no
âmbito do Mercosul. Para tanto, apuramos questões específicas como
o tempo percorrido entre a elaboração e a entrada em vigência dos
tratados e o processo de incorporação das normativas do Mercosul
nas ordens jurídicas nacionais de cada país. Concluímos que o
grande entrave à cooperação se dá, em primeiro lugar, pelo fato de
que esta possui um caráter repressor e está focada em ações
clássicas de controle ao crime, fator que não abarca a dimensão da
organização em rede dos criminosos e, em parte, pela complexidade
do sistema e falta de harmonização entre as le- gislações de cada
país, que prejudica diretamente a aplicabilidade dos acordos.
Veremos que quiçá o estudo da supranacionalidade seja acertado
para o aprofundamento da integração regional e para a coerência
sistêmica do bloco, harmonizando as legislações e minimizando os
obstáculos para a incorporação das normativas internacionais.
Palavras-chave: crime organizado transnacional, Mercosul, tratados, integração regional, cooperação policial. Resumen: Ante el avance de
la delincuencia en el territorio del Mercosur, los países del
bloque encararon la necesidad de desarrollar acciones específicas
para combatirla. En este contexto, los miembros del Mercosur
comenzaron a desarrollar instrumentos, como convenios y acuerdos
internacionales firmados multilateral y bilateralmente, con el fin
de promover una cooperación policial más efectiva para combatir el
crimen organizado transnacional, especialmente en lo que respecta
a los delitos de narcotráfico, armas y contrabando. Desde esta
perspectiva, utilizamos el método hipotético-deductivo e
histórico-comparativo para desarrollar la investigación y, así,
buscamos analizar la aplicabilidad de los acuerdos de seguridad
regional y cooperación policial elaborados en el ámbito del
Mercosur. Para ello, investigamos temas específicos como el tiempo
transcurrido entre la redacción y entrada en vigencia de los
tratados y el proceso de incorporación de las normas del Mercosur
a los ordenamientos jurídicos nacionales de cada país. Concluimos
que el gran obstáculo para la cooperación se debe, en primer
lugar, al hecho de que la cooperación tiene un carácter represivo
y se centra en acciones clásicas de control del delito, factor que
no abarca la dimensión y capacidad de actuación de la red del
crimen y, en parte, debido a la complejidad del sistema y la falta
de armonización entre las legislaciones de cada país, lo que
afecta directamente a la aplicación de los acuerdos. Veremos que
quizás la adopción de la supranacionalidad sea ideal para
profundizar la integración regional y para la coherencia sistémica
del bloque, armonizando la legislación y sin tantos obstáculos
para la incorporación de las normativas internacionales.
Palabras clave: delincuencia organizada transnacional,
Mercosur, tratados, integración regional, cooperación policial.Abstract: Considering the
rising wave of criminality in their territories, the Mercosur
nations, saw the need to develop specific cooperation mechanisms
to combat it. Thereby, Mercosur members began to develop
instruments, such as international conventions and agreements
signed multilaterally and bilaterally, in order to promote more ef
ective police cooperation to combat transnational organized crime,
especially with regard to drug traf icking, weapons and smuggling.
In this perspective, we use the hypothetical-deductive and
historical-comparative method to develop the research and, thus,
we seek to analyze the applicability of the agreements on regional
security and police cooperation elaborated within the scope of
Mercosur. To this end, we will observe specific issues such as the
time elapsed between the drafting and entry into force of the
treaties and the process of incorporating Mercosur rules into the
national legal systems of each member country. We conclude that
the great obstacle to cooperation is, in the first place, to the
fact that cooperation has a repressive character and is focused on
classic crime control actions, a factor that fails to cover the
dimension of the criminal network organization and, in part, due
to the complexity of the system and the lack of harmonization
between the Political Charters of each country, which directly
impairs the applicability of the agreements. We will see that
perhaps the study of supranationality can be help to deepen
regional integration in Mercosur, harmonizing legislation through
the adoption of complete rules.
Keywords: Transnational Organized Crime, Mercosur, Treated,
Regional Integration, Police Cooperation.Recibido: 20200816 - Aceptado: 20201210
Introdução
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e com o início da globalização moderna, a forma como a segurança dos Estados era compreendida mudou fundamentalmente. A abertura dos mercados facilitou o deslocamento de pessoas, serviços e bens para além das fronteiras nacionais. O desenvolvimento tecnológico das telecomunicações tornou os fluxos internacionais ainda mais rápidos, as comunicações se tornaram tão móveis quanto as pessoas, de modo a ser impossível ter controle sobre todos esses movimentos.
Em contrapartida, com a intensificação das relações sociais em escala mundial, “os delitos antes praticados somente no plano nacional passaram a ser, também, cometidos no âmbito internacional”. Nessa perspectiva, “a criminalidade transnacional emerge como uma das maiores ameaças à economia, à política, à segurança e, em última análise, às sociedades modernas globalizadas em geral”, principalmente quando se trata da questão do tráfico de drogas, de armas e do contrabando, que vem criando uma enigmática rede ilegal (Kesikowski; Winter; Gomes, 2018).
Nesse cenário, o fenômeno da globalização propiciou a formação de acordos de integração regional e, consecutivamente, de blocos econômicos, com destaque para o Mercosul, recorte dado a este artigo: constituído em 1991 entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com a assinatura do Tratado de Assunção, o qual deu início a uma nova ordem na América do Sul.
As nações mercosulinas, considerando a ascendente onda de criminalidade que pairava em suas fronteiras, viram-se frente a necessidade de desenvolver mecanismos específicos para combatê-la. Assim, a cooperação internacional tornou-se um instrumento com maior aptidão a conferir uma resposta adequada e eficaz ao problema e, nessa conjuntura, a elaboração de convenções internacionais e acordos multilaterais e bilaterais ganharam destaque.
Embora tenha tamanha relevância o tema abordado neste estudo, ao longo da pes- quisa restou evidenciado que quando se fala em Mercosul muito pouco se discorre sobre a temática da segurança regional nas fronteiras, fator que se reflete no pequeno número de tratados elaborados sobre este assunto, como veremos adiante.
Indispensável explicar que a cooperação internacional se dá no âmbito de pessoas jurídicas de direito internacional e pode ser dividida na cooperação adminis- trativa, cooperação da inteligência financeira e cooperação jurídica. A cooperação policial está inserida na cooperação administrativa que pode ser compreendida como uma “cooperação entre autoridades administrativas que prescinde de pronunciamento jurisdicional” e tem como objetivo a “troca de informações, de aperfeiçoamento de tecnologia, criação e alimentação de banco de dados e desenvolvimento de estratégias de atuação”. Ressalta-se que o presente artigo se concentra sobre os acordos em matéria de segurança regional, portanto, enfocado na modalidade de cooperação policial (Iensue; Carvalho, 2015, p. 527).
Para ilustrar o debate, o artigo foi subdividido em itens, sendo que em seu primeiro item discorre sobre o crescimento do crime organizado transnacional (COT) e sua influência para a transnacionalização da cooperação policial entre os Estados. Ato contínuo, estudamos os mecanismos de cooperação desenvolvidos para combater a criminalidade transnacional, mais especificamente, as convenções internacionais das Nações Unidas e, no âmbito regional, os tratados do Mercado Comum do Sul. No terceiro item, analisamos os desafios e obstáculos que a cooperação policial entre os Estados-membros enfrenta. Por último, o quarto item aborda a questão da aplicabilidade dos acordos, para isso, verificamos as legislações correlatas sobre o processo de incorporação das normativas mercosulinas no Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina e examinamos os dados fornecidos pelo Mercado Comum do Sul e pelo Ministério das Relações Exteriores quanto ao tempo percorrido entre a celebração dos acordos e a data de entrada em vigência, apontando as mudanças necessárias no bloco para que esses tratados não sejam sinônimo de morosidade. Como de costume, o trabalho se encerra com as principais conclusões.
Para a realização deste artigo, utilizamos o método de abordagem hipotético-dedutivo e, como procedimento, o histórico-comparativo, tendo por base os resultados apresentados no trabalho de conclusão de curso de Direito de um dos autores, bem como, alguns aprofundamentos encontrados nos núcleo e grupo de estudos e pesquisa, coordenados pelos outros dois autores (Dinter e GEP Virtù).
Os órgãos do Mercosul têm uma estrutura organizacional de natureza intergovernamental, isto é, com decisões consensuais e com a necessidade de ratificação por cada Estado-parte do bloco para eficácia das normas, já que estas não têm apli- cação imediata (Nakayama, 2002, p. 300). Vale destacar que o Direito Comunitário, aplicado na União Europeia, não se confunde com o Direito Internacional clássico e com o Direito de Integração, que é o que temos no âmbito do Mercosul. No direito da integração denota-se, portanto, a intergovernamentalidade e, assim, não existe transferência de competência, há a integração dos órgãos dos governos nacionais com a sua própria estrutura e por isso a necessidade de recepção interna das regras integracionais (Souza, 2014, p. 1; Nakayama, 2002, p. 299).
Em razão disto, o mecanismo de incorporação das normas mercosulinas pelos Estados-partes revela-se bastante complexo. Para melhor entendimento, valiosa a lição de Nascimento (2005, p.15-16):
Por eficácia direta entende-se a possibilidade de serem essas normas invocadas pelos particulares, quanto aos direitos e obrigações judiciárias, quando houver sua violação; e, por aplicabilidade imediata, a efetiva aplicação da norma, logo após sua publicação, sem necessidade de processo de reconhecimento ou incorporação no ordenamento jurídico nacional.
Rocha (2011, p. 16-17) destaca que há recepção dos tratados internacionais pelo direito nacional e não sua integração, na medida em que a aplicabilidade de uma norma estrangeira na ordem jurídica nacional resulta de um procedimento de internalização, de uma efetiva “transposição” para o plano do direito endógeno, aí incluídas as convenções, tratados ou acordos celebrados no contexto regional do Mercosul. Daí decorre que, tais atos somente operarão efeitos interna corporis se uma “ordem de execução” vier a incorporálos no ordenamento pátrio.
Sobre a matéria, o capítulo V do Protocolo de Ouro Preto (POP) estabelece que “as normas emanadas dos órgãos do Mercosul [...] terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos de cada país”. Rocha (2011, p. 7), interpreta que a incorporação só caberia “quando fosse necessária”, quando submetida a condições constitucionais e legais para tanto, senão, deveria prevalecer a chamada doutrina “self executing”, ou seja, da autoexecutividade das normas provenientes de órgãos supranacionais/intergovernamentais. Para a autora, tal forma de incorporação afeta diretamente a viabilidade futura do bloco, “já que a ausência de supranacionalidade não pode implicar na submissão de todas as de- cisões, resoluções e diretrizes à expressa internalização de cada Estado Nacional”. O POP afastou a possibilidade de aplicação imediata dos tratados ao estatuir no seu artigo 40 a necessidade de “vigência simultânea” das normas. Para isso, uma vez que o tratado estiver incorporado ao ordenamento interno nacional de cada país, o Estado deverá comunicar a internalização à Secretaria do Mercosul e esperar a comunicação sobre a incorporação da norma pelos demais países. Por fim, recebida mencionada comunicação, a norma entrará em vigor simultaneamente, no prazo de 30 dias em todos os Estados-partes, que deverão dar publicidade do início da vigência (Mercosul, 1994).
Trindade (2007, p. 63) frisa que tal procedimento representa um obstáculo à vigência dos tratados pois acaba por conferir poder de veto aos países, isto porque, o não comparecimento ou abstenção de um membro nas reuniões deliberativas é suficiente para bloquear o processo decisório. Para mais, basta que o país não proceda à incorporação da norma ou não comunique da internalização para que ela não tenha vigência no bloco.
Quanto ao sistema de tomada de decisões, o art. 37 do POP dispõe que “as decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-partes”, em princípio isso facilitaria o processo de harmonização da legislação, visto que já há um pré-acordo unânime a respeito do tema (Mercosul, 1994). No entanto, essa situação denota:
uma desconfiança básica entre os parceiros, um arraigamento à soberania do Estado, favorecendo uma lentificação das ações e, pior, sendo ela invocada como justificativa ao descumprimento das normas decorrentes do tratado [...]. Em caso de conflito, não prevalecem sobre o direito interno [...], podem ser abolidas ou alteradas, podem receber interpretações diferentes pelos juízes e tribunais dos Estados-partes, atos esses geradores de instabilidade na integração (Nascimento, 2005, p. 15).
Indubitavelmente o Mercado Comum do Sul, como órgão internacional, tem poder normativo e os seus órgãos institucionais possuem competência para produzir as normas jurídicas derivadas, mas, como demonstrado, precisam de internalização em cada país, o que denota a falta de autonomia no processo legislativo do bloco (Nascimento, 2005, p. 14).
Para Rocha (2011, p. 8), “conceber um conjunto de normas comunitárias sem efetividade, não apenas revela-se inútil, como descortina a incipiência do processo integracionista”, sendo necessária a instituição de mecanismos implementadores para a internalização das normas secundárias mercosulinas(4). Notoriamente, a transposição das regras emanadas pelo Mercosul para as ordens positivas nacionais de forma célere e sem tantos obstáculos para sua incorporação, é imperiosa para a coerência sistêmica do bloco.
A seguir, iremos analisar brevemente como é o processo de incorporação dos tratados nos países integrantes do Mercosul. Mas, de imediato, enfatize-se que as Constituições do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai indicam a adoção do dualismo(5) para a incorporação das normativas internacionais nas ordens internas. A questão centra-se em saber se as Constituições dos países do bloco autorizam o re- conhecimento de singularidade ao direito de integração, ou mais além, permitem que os Estados pertençam a um órgão supranacional.
No Brasil, existem dois modelos procedimentais para viabilizar a incorporação de um tratado internacional, o procedimento simplificado(6) e o procedimento padrão multifásico. O primeiro procedimento é conhecido como acordo-executivo, que dis- pensa o trâmite legislativo e a aprovação pelo Congresso Nacional, a única formalidade exigida para sua entrada em vigor é a assinatura pelo Chefe do Poder Executivo, ou por outra autoridade por delegação (art. 84 da Constituição Federal de 1988). A doutrina que defende a plena possibilidade de tais acordos, se fundamenta na atual tendência de atenuar o rigor da regra constitucional em prol de uma menor avalanche de tratados que, excessivamente, onera o Poder Legislativo, dando causa a uma verdadeira acumulação de tratados à espera de aprovação (Soares, 2019, p. 2; Mazzuoli, 2018, p. 285).
Por outro lado, no modelo multifásico, a primeira fase tem início com a negociação do tratado por representantes oficiais do Governo brasileiro, devidamente autorizados. A segunda fase do processo de internalização, ocorre no encerramento das negociações por ocasião da assinatura, quando não é mais possível alterar o texto discutido. Na terceira fase, o ato normativo deve ser submetido ao Congresso Nacional, devendo passar primeiramente pela Câmara dos Deputados, para sua apreciação pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania. Em seguida, o texto do tratado é enviado para análise da Comissão de Relações Exteriores, e ainda, pode ser apresentado a outras comissões temáticas a depender do seu conteúdo. Concluída essa etapa, o texto é submetido ao Plenário, e caso aprovado, será enviado ao Senado Federal para os mesmos procedimentos. Se houver aprovação deste último, o texto do tratado é então assinado pelo Presidente do Senado e publicado no Diário Oficial da União. A ratificação e a publicação do texto do tratado, por meio de decreto do Chefe do Executivo constitui a quarta fase, representando a sanção definitiva. A última fase no processo de internalização do tratado internacional decorre da comunicação acerca da promulgação (Soares, 2019, p. 2).
Destarte, apesar de a Constituição brasileira vigente ter introduzido o § 1° do art. 4°, que traduz a disposição de se buscar uma “integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”, mostrou-se, entretanto, tímida em prever mecanismos capazes de concretizar tal regra programática. O Brasil continua inflexível quanto à possibilidade de delegar poderes a órgãos supranacionais, não havendo dúvida quanto à primazia do texto constitucional brasileiro em relação aos tratados (Nascimento, 2005, p. 17).
A Constituição da República Oriental do Uruguai, de 1967, estabelece, no seu art. 6º, que será promovida a integração social e econômica dos Estados Latinoamericanos. Tal qual a Constituição Brasileira de 1988, tratase de norma de con- teúdo programático, não podendo ser apontada como acolhedora do direito integracionista. Ademais, merece destaque a ausência do caráter político da integração na norma uruguaia, Rocha (2011, p. 23) explica que a ausência de uma integração política pode ser um empecilho para delegação de competências a outros órgãos decisórios do bloco, fazendo com que a supranacionalidade na Constituição Uruguaia, reste vedada.
Souza (2014, p.1) complementa tal entendimento ao discorrer que o Estado uruguaio reconhece a soberania nacional, portanto, reserva-se à nação uruguaia o direito exclusivo de estabelecer leis, não havendo qualquer possibilidade de ingresso direto no ordenamento jurídico de qualquer norma do Mercosul ou que esta norma tenha primazia em relação à norma nacional.
A falta de permissão para delegação de competências na Constituição Uruguaia dificulta a participação do país na integração regional do Mercosul, na medida em que sua positividade jurídica não permite o avanço do bloco regional em direção à autonomia e à independência política nas decisões, o que, certamente, proporcionaria maior celeridade à integração (Rocha, 2011, p. 24).
A Constituição Nacional da República do Paraguaide 1992, prevê em seu texto a possibilidade de delegação de competências. Pode-se dizer que isto se deve ao fato de que a Carta Magna do país foi confeccionada após à assinatura do Tratado de Assunção e, portanto, sofreu os reflexos do processo de integração do Mercosul.
Preliminarmente, impõe ressaltar que, ao contrário das Constituições do Uru- guai e Brasil, a paraguaia prevê a supremacia hierárquica dos tratados internacionais sobre as demais leis, consoante se denota da leitura dos artigos 137 e 141. A competência para sua conclusão compete ao Poder Executivo, conforme dispõe o artigo 238, inciso 7º, correspondendo que se efetue a aprovação por lei do Congresso (art. 141). Tais elementos conferem uma segurança jurídica maior no que diz respeito aos tratados firmados pelo Estado Nacional do Paraguai (Paraguai, 1992).
O art. 145 da Carta Política Paraguaia reconhece um ordenamento jurídico supranacional, não obstante sua aceitação dependa da aprovação da maioria absoluta de ambas as Câmaras do Parlamento Paraguaio. Nesse diapasão, mesmo que o Direito da Integração no âmbito do Mercosul não tenha tal caráter, a norma nacional possibilita eventuais mudanças institucionais no bloco regional, fornecendo ferramentas legais para a consolidação da integração do Cone Sul (Mizutani, 2006, p. 83).
Assim, uma vez aprovado o tratado de integração na conformidade constitucional, figura-se dispensável a incorporação ao ordenamento jurídico nacional, mediante referendo legislativo do direito nacional derivado, quando este é decorrente dos tratados fundacionais (Perotti, 2004, p. 372-373).
Por fim, a Constituição Nacional da República da Argentina, datada de 1853, cuja alteração foi promulgada em 28 de agosto de 1994, possui um texto contem- porâneo e fortemente influenciado pelos processos integracionistas em vigor, prevendo, inclusive, a supranacionalidade, nos mesmos moldes da Lei Fundamental Paraguaia (Galvão, 2015, p. 45).
Sem dúvida, o dispositivo constitucional argentino de maior importância é o ar- tigo 75, inciso 22, que atribui ao Poder Legislativo competência para aprovar ou rejeitar tratados firmados com os demais Estados Nacionais ou organizações internacionais, outorgando-lhes hierarquia superior às leis (Argentina, 1995).
No que se refere ao procedimento para ratificação dos tratados, a Constituição Argentina distingue os tratados regionais de integração (entre Estados do Mercosul), daqueles pactuados com os demais Estados Nacionais. Quanto aos primeiros, estes deverão ser aprovadas por maioria absoluta do total de membros de cada Casa Legislativa, por sua vez, no caso de tratados com outros Estados Nacionais, o procedimento será mais rigoroso. Veja-se que essa diferenciação resulta em uma fertilização de nível regional mais presente, já que as de nível mundial encontram maior barreira no processo de internalização das normas internacionais (Galvão, 2015, p. 78).
Infere-se, pois, que entre as Cartas Políticas de todos os Países-membros do Mercosul analisadas acima, a Constituição Argentina tem a visão mais avançada no tocante aos processos integracionistas, fator que propícia um avanço do Mercado Comum do Sul. Segundo Nakayama (2002, p. 300-301) a ausência de qualquer grau de supranacionalidade para a constituição do Mercosul impede que a harmonização das legislações se processe mediante a adoção de normas completas, sendo necessária a adoção da supranacionalidade para o aprofundamento do processo de integração.
Nesse sentido, conclui-se que a abertura constitucional das Leis Fundamentais dos Estados Argentino e Paraguaio facilitará o desenvolvimento da proposta mercosulina e auxiliarão a superação de um direito transitoriamente integracionista. Muito embora as Constituições brasileira e uruguaia não contenham normas de alcance semelhante, seus artigos 4º, parágrafo único e 6º, respectivamente, em tese, encerrariam possibilidades hermenêuticas de interpretação jurisprudencial favorável à integração (Rocha, 2011, p. 32).
Considerações finais
No presente estudo viuse que a ascensão do crime organizado transnacional ao patamar de nova ameaça à paz e à segurança humana, trouxe mudanças à maneira com o qual os Estados deveriam se posicionar diante do problema, exigindo uma integração e concatenação de esforços entre os povos. Nesse cenário, a cooperação internacional aparece como a alternativa mais viável para conter o avanço desse empreendimento criminoso, cuja rede difusa de atuação, desafia a lógica tradicional e individual de policiamento.
Com efeito, o reconhecimento dos Países-membros do Mercosul, ainda que incipiente, da necessidade de se juntarem e cooperarem para enfrentar este problema comum, a partir do desenvolvimento de tratados multilaterais e bilaterais, já pode ser considerado um avanço significativo, com potencial para ir além.
No entanto, a pesquisa identificou alguns obstáculos para a cooperação na temática de segurança regional no Mercado Comum do Sul. Viu-se que as ações policiais voltadas apenas para questões relacionadas à segurança pública e defesa não são suficientes, pois não consideram a complexidade em rede na qual as organizações criminosas se inserem e a sua capacidade de reorientação das estratégias. Constata-se, portanto, que são necessárias ações que levem em conta o raciocínio puramente mercadológico por elas adotado e intervenha não apenas nas organizações, mas também nos mercados ilícitos por ela mantidos, com foco na demanda e no consumo.
Infere-se também que o desenvolvimento da faixa de fronteira, não apenas no aspecto econômico, mas também no âmbito social, de modo a permitir que a pobre- za e a exclusão social não sejam fomentadoras da criminalidade, é fundamental para melhores resultados no combate ao crime transnacional.
Ademais, ao longo do presente estudo verificou-se que a morosidade do processo para a incorporação das normativas do Mercosul aos ordenamentos internos dos Estados-partes é um entrave à eficácia da cooperação.
Já são poucos os acordos que tratam sobre o assunto, o que constituiu uma limitação para a pesquisa, mas é o fato de que podem demorar até sete anos para entrarem em vigor que complica o cenário. A problemática se dá, principalmente porque enquanto o acordo aguarda todo esse tempo até ser incorporado, os fenômenos se transformam, o crime organizado evolui e, do mesmo modo, os mecanismos de cooperação e de investigação são aprimorados. Nessa conjuntura, uma vez que os acordos entram em vigor, estes serão eficazes, mas a demora traz como consequência a possibilidade de não serem efetivos, já que podem produzir efeitos, porém não aqueles imaginados ou anunciados pelos países no momento da celebração.
Pode-se dizer que a tendência de alguns dos países do bloco em enfatizar acordos bilaterais também acaba por limitar o alcance da cooperação. Elaborar tratados apenas entre dois países leva à fragmentação do sistema, privilegiando a integração das forças policiais apenas entre duas fronteiras. No entanto, esse cenário reduz os incentivos para negociações multilaterais entre todos os Estados-membros do bloco, o que consequentemente, evita uma integração plena e um combate efetivo à criminalidade transnacional, que deve ser afrontada em grande escala.
Destarte, a eficácia da cooperação entre os países do Mercado Comum do Sul acaba sendo prejudicada, em parte, pela complexidade do sistema e falta de harmonização entre as Cartas Políticas de cada país, resultando imperioso para a coerência sistêmica do bloco, que a transposição dos acordos celebrados pelo Mercosul para as ordens jurídicas nacionais ocorra de forma célere, dinâmica e sem tantos obstáculos para sua incorporação. Contudo, parecer ser uma realidade difícil de alcançar.
Por esses motivos, é notável que o Mercosul ainda tem muito que caminhar no processo de integração, mas o incentivo às ações de cooperação para combater a criminalidade transnacional, ainda que tímido, é muito importante e vem obtendo alguns resultados positivos. Talvez, o estudo da questão da supranacionalidade seja acertado para o aprofundamento dessa integração.
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