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João
Ricardo Catarino y Daniela Esteves
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A
residência não habitual: um novo elemento de conexão na tributação
da renda das pessoas físicas? Uma pesquisa objetivada nas soluções
adotadas em Portugal e Espanha
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La residencia no habitual: ¿un nuevo
elemento de conexión en la tributación de la renta de las personas
físicas? Una investigación enfocada en las soluciones adoptadas en
Portugal y España
The non-Common Residence: A New Connection Element in the Taxation of the
Personal Income Tax? A Research Aimed at the Solutions Adopted in Portugal
and Spain
João Ricardo Catarino: Investigador
integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas
(http://capp.iscsp.ulisboa.pt/), centro de investigação registado na
Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Instituto Superior de Ciências
Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutor em Ciências Sociais na
especialidade de Administração Pública pela Universidade de Lisboa.
Professor de Fiscalidade, de Finanças Públicas e Direito Financeiro no
ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade
de Lisboa e no ISCAL – Instituto Superior de Contabilidade e Administração
de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa. Membro de diversas Comissões
de Reforma do sistema fiscal português (IVA (1986); IRS, IRC (1989),
Impostos sobre o Património (2003/2004) e do IRS - Imposto sobre o
rendimento das pessoas físicas (2014)ORCID:
0000-0001-9372-083X . Contato:
jcatarino@iscsp. ulisboa. pt
Daniela Esteves: Licenciada em
Contabilidade e Administração, ramo Fiscalidade pelo Instituto Superior de
Contabilidade e Administração de Lisboa do Instituto Politécnico de
Lisboa. Contabilista Certificada da Ordem dos Contabilistas Certificados
de Portugal. Actualmente encontra-se a frequentar a pós-graduação em
Direito Fiscal no Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal, da
Faculdade de Direito de Lisboa, Universidade de Lisboa.ORCID:
0000-0002-5308-5920 Contato:
daniela.simoes.esteves@gmail.com
Resumo: As dificuldades económicas têm levado a União Europeia a adotar
novas estratégias de competitividade, como o caso da denominada
“Estratégia Europeia 2020” (CE, 1997; 1997a; 1998; 2010). Esta estratégia
alargou-se à política fiscal de vários estados- membros, através da qual
eles têm vindo a adotar soluções fiscais inovadoras para aumentar o
investimento e a sua competitividade, como é o caso dos regimes de
tributação dos residentes não habituais (Catarino, 2016). Nesta pesquisa
avaliamos a evolução do conceito de residência no imposto de renda das
pessoas físicas como forma de atrair residentes qualificados e
investimento. Sistematizámos o regime dos residentes não habituais
comparando das características entre Portugal e Espanha, e visámos
determinar se os seus regimes de tributação são realmente mais atrativos
do que o regime geral e, em caso afirmativo, em que termos. Apurámos a
existência de diferenças que possam influenciar a opção entre um ou outro
por parte dos interessados. Concluímos que não há uma evolução no conceito
de residência adotado, que a maior atratividade do referido regime se
efetiva, através da aplicação das alíquotas de imposto de renda das
pessoas físicas mais baixas e que a sua semelhança não permite concluir
pela supremacia de um regime face ao outro.
Palavras-chave: residência não habitual, planeamento fiscal, concorrência
fiscal, imposto sobre a renda, sistemas fiscais, tributação de não
residentes, critérios da residência, critérios da fonte.
Resumen: Las dificultades económicas han
llevado Europa a adoptar nuevas estrategias de competitividad, como la
“Estrategia Europea 2020” (CE 1997; 1997a; 1998; 2010). Esa estrategia se
amplió a la política fiscal de varios estados miembros, a través de la
cual se viene adoptando nuevas soluciones fiscales para incrementar la
inversión y su competitividad, como es el caso de los regímenes de los
residentes no habituales (Catarino, 2016). En esta investigación
analizamos la evolución del concepto de residencia en el impuesto sobre la
renta de las personas físicas como forma de atraer residentes más
cualificados e inversión. Sistematizamos el régimen de los residentes no
habituales comparando las características entre Portugal y España, y
buscamos determinar si sus regímenes de tributación son realmente más
atractivos que el régimen general y, en caso afirmativo, en qué términos.
Averiguamos la existencia de diferencias que pueden afectar la opción
entre uno y otro régimen por las partes interesadas. Concluimos que no hay
una evolución en el concepto de residencia, que el mayor atractivo del
régimen corresponde a la aplicación de una tasa de impuesto más baja y que
su semejanza no permite concluir por la supremacía de un régimen ante el
otro.
Palabras clave: residencia no habitual,
planificación fiscal, competencia fiscal, impuesto sobre la renta,
sistemas fiscales, tributación de no residentes, criterios de residencia,
criterios de fuente.
Abstract: Economic dif iculties have led
the European Union to adopt new competitiveness strategies, such as the
so-called “European 2020 Strategy” (EC, 1997; 1997a; 1998; 2010). This
strategy has been extended to the fiscal policy of several Member States,
whereby they have been adopting innovative fiscal solutions to increase
investment and their competitiveness, such as the taxation ofnon-habitual
residents (Catarino, 2016). In this research we evaluate the evolution of
the concept of residence in personal income tax as a way to attract
qualified residents and investment. We have systematized the regime of
non-habitual residents by
comparing the characteristics between Portugal and Spain and have pursued
to determine whether their tax regimes are actually more attractive than
the general scheme and, if so, under what terms. We have determined the
existence of dif erences that may influence the choice between one or the
other by the interested parties. We conclude that there is no evolution in
the concept of residence adopted, that a greater attractiveness of the
mentioned above regime is ef ective, through the application of lower
rates of income tax and that its’ similarity does not allow the conclusion
ofthe supremacy ofa regime against the other.
Keywords: Non-Habitual Residence, Tax Planning, Tax Competition, Income
Tax, Tax Systems, Taxation of Non-Residents, Residence Criteria, Source
Criteria.
Introdução
O exercício do poder de tributar traduz-se
na utilização de poderes soberanos, políticos, por parte de cada Estado,
enquanto sujeito da ordem jurídica internacional. No espaço físico
denominado “território”, onde exerce a soberania, cada Estado detém em
exclusivo o exercício de poderes tributários e cria um sistema tributário
ajustado aos modelos de legitimação do poder político, vigentes na
comunidade humana a que diz respeito e atualmente corporizados em leis
escritas, tanto comuns como constitucionais. É o que sucede, desde logo,
em Portugal e Espanha bem como na generalidade dos Estados de matriz
ocidental.
Sendo livre para estabelecer os pressupostos de sujeição tributária, cada
Estado procede à fixação dos seus próprios parâmetros, estabelecendo, para
o efeito, um conjunto mais ou menos estável de elementos de conexão. Tais
elementos, sendo fixados livremente, não deixam de tomar em consideração
que, no exato ponto onde termina a soberania política e tributária de um
Estado se inicia, tangencialmente, a soberania de outro.
Todavia, a realidade social tem-se tornado
mais complexa, levando muitos estados a empreender reformas tributárias
ajustadas às novas possibilidades económicas, geradas pela globalização
(Junqueira, 2015). O planeamento fiscal está hoje ao alcance de um número
cada vez maior de indivíduos e empresas (Gouveia, Afonso, 2013; Catarino,
Guimarães, 2015) permitindo mais facilmente a deslocalização de lucros ou
rendas (Pohlmann, Iudícibus, 2010; OCDE, 2014). Ainda que os sistemas
tributários continuem a eleger os mesmos pressupostos ou elementos de
conexão de sempre, abaixo anunciados, a verdade é que o modo como se
desenvolvem as relações entre as pessoas mudou substancialmente. Com
efeito, não é raro que as operações económicas mais frequentemente entrem
em contacto simultâneo com mais do que um ordenamento tributário. Por
outro lado, a residência das pessoas não constitui mais um elo de ligação
perene, tendencialmente imutável, caraterizador das sociedades humanas,
exatamente porque as pessoas circulam muito mais neste mundo globalizado e
podem residir, alternativa ou sucessivamente, em diferentes estados. É
nesta envolvente que assume relevância a adoção de regimes de tributação
dos denominados residentes não habituais, adotados por um bom número de
estados no mundo.
A
conexão com os sistemas tributários num mundo globalizado: função e
limites do conceito de residência fiscal
O sucessivo alargamento dos espaços
económicos surge, no plano das relações entre sujeitos, como um fator que
coloca em contacto pessoas residentes em diferentes ordenamentos
tributários. Em âmbito mais geral, parece certo que os sistemas fiscais
carecem de ser globalmente repensados (Catarino, 1999; 2009; 2010).
Simplificação, moderação de alíquotas, sobretudo nos impostos sobre a
renda das pessoas físicas, clareza das normas, aprofundamento da justiça
relativa, estabilidade normativa e transparência de procedimentos e
conceitos, bem como a elevação dos padrões morais e sociais, são aspetos
importantes na caracterização dos sistemas tributários dos estados
modernos, tendo também em vista a sua sustentabilidade financeira
(Catarino, Fonseca, 2013).
Tradicionalmente, a conexão de um facto
tributário com um ordenamento tributário resulta de dois fatores: a fonte
da renda e a residência do seu titular (OCDE, Modelo de Convenção para
evitar a Dupla Tributação, 2014).
Todavia, os três fatores nucleares da
tributação, de acordo com a perspetiva clássica, a saber: o território,
a materialidade das operações e o controlo dos factos tributários são
hoje questionados por práticas tais como, a desmaterialização, a
desintermediação e a digitalização. Com efeito, há uma patente crise do
conceito de clássico de território em que habitualmente repousou o
direito dos tributos. A ação conjugada da digitalização, da realidade
virtual e da globalização determinam a deslocalização do consumo e da
renda para jurisdições mais “amigáveis” dos sujeitos passivos. Estes
podem desmaterializar e desterritorializar as suas rendas com maior
facilidade levando a novos problemas de tributação num mundo global,
pois as redes eletrónicas estão hoje ao alcance de um cada vez maior
conjunto de agentes, através um simples terminal de computador
(Catarino, 2001; 2011).
O território e a fronteira fechada,
paradigma clássico dos modelos de tributação tradicionais deixam, assim,
de garantir o controlo dos factos tributáveis e as indispensáveis receitas
necessárias ao erário público. O advento do espaço virtual permitirá, a
cada um, criar o seu próprio universo onde a interação da globalização,
das novas tecnologias e da concorrência fiscal gerará um fenómeno de
“térmitas fiscais” devoradoras das entranhas dos sistemas (Tanzi, 2006;
2006a; 2007).
Por consequência, as noções de residência, sede, estabelecimento estável,
atividade económica, fonte, entre outras, tão laboriosamente esculpidas ao
longo de decénios nas Convenções sobre bitributação, revelam-se incapazes
de fazer afluir a receita aos estados que, segundo esses critérios gerais,
a eles deveriam afluir.
Por outras palavras, as novas
condicionantes da atividade económica propiciam uma competitividade fiscal
entre estados mais acirrada. Ela implica pelo menos três fatores: (1) a
inovação, ou a destruição criadora referida por Schumpeter; (2) adequados
níveis de educação, cultura e formação e (3) respeito pelos valores
democráticos e pelos direitos do homem como a base de sustentação dos
nossos sistemas políticos (OCDE, 1998; 2014; União Europeia, 1998). O fato
é que a crescente interdependência e a cooperação económica entre países e
pessoas, a par com a necessidade de colmatar os inconvenientes que
resultam do contato de tais pessoas, com dois ou mais ordenamentos, levou
os Estados, numa primeira fase, a celebrar Convenções para resolver os
fenómenos de bitributação, a desenvolver a troca de informações e a adotar
regras mais estritas em vista à limitação das situações de abuso (Bastos,
Estellita, 2015) (OCDE, 2014).
Ora, em geral os ordenamentos tributários
valorizam dois elementos ou critérios de conexão essenciais: a residência
(sede ou direção efetiva no caso das pessoas jurídicas) e, para além
daquela, a fonte, o local onde ocorre a obtenção dos rendimentos. Por
outro lado e em sentido diverso, o critério da fonte, elege o conceito de
estabelecimento estável ou, pelo menos, de local das fonte produtora e
determina, ainda que nele se não esgote, que a tributação se deve operar
no Estado onde os rendimentos foram obtidos, impondo que se atenda à
matéria coletável numa perspetiva limitada (àqueles rendimentos) e não
ilimitada, ao contrário, portanto, do que sucede com o princípio da
tributação segundo a residência. O critério da fonte poderá reportar-se
quer a um sentido económico, enquanto fonte produtora, -esta considera-se
situada no território do Estado onde os fatores de produção são
utilizados-, quer a um sentido financeiro, como fonte pagadora, esta
considera-se situada no território do Estado onde é obtida a
disponibilidade do rendimento. No caso de entidades estrangeiras com
estabelecimento estável em Portugal, o critério se- guido é o da
imputabilidade, isto é, em relação a esse estabelecimento estável, a
tributação abrange os rendimentos que lhe sejam imputáveis; e são esses os
que se consideram obtidos no país da fonte (Faustino, 2015: .216).
Por outro lado, a expressão “residente”, de acordo com a Convenção Modelo
sobre o Rendimento e o Património da OCDE (OCDE, 2014) cumpre, na
legislação interna dos estados, uma função delimitadora na determinação do
âmbito da aplicação pessoal da lei fiscal a cada sujeito. Para os
residentes prevalece o princípio da sujeição total a imposto -estão
sujeitos a imposto de renda das pessoas físicas onde residem por obrigação
fiscal integral- por virtude do vínculo pessoal existente entre eles
mesmos e o “seu” Estado de residência. O conceito abrange, por extensão, a
sujeição integral das pessoas que permaneçam com carácter de continuidade
ou durante um período no território do Estado.
Objetivos
e metodologia
O objeto desta pesquisa é a residência
como conceito estruturante para a delimitação espacial da sujeição a
imposto da renda em qualquer estado soberano. O objetivo é avaliar se há
uma evolução do conceito de residência no imposto de renda das pessoas
físicas, como forma de dar resposta à necessidade de aumentar a
atratividade dos sistemas tributários, face ao investimento externo. A
pesquisa parte da constatação que, usando os sistemas tributários, os
estados criam regimes especiais de tributação (no caso, das rendas ou do
património), com o objetivo de atrair certos tipos de contribuintes,
dotados de elevadas qualificações específicas e de alta renda ou o
património, como forma de potenciar a atração de capitais, o investimento
externo e o crescimento económico.
Embora se tenha conhecimento que, vários
estados europeus já adotaram regimes parecidos, como é o caso da Bélgica,
Dinamarca, França, Holanda e Suíça, esta pesquisa toma por base os regimes
tributários português e espanhol de tributação dos não residentes
habituais, os quais podem servir de modelo às opções que outros estados
podem tomar sobre este tema. A questão de partida relaciona três conceitos
centrais nesta pesquisa: o conceito de residência fiscal para as pessoas
físicas, sua relação com o conceito adotado no regime especial de
tributação dos residentes não habituais em Portugal, a eficiência e
eficácia na atração de contribuintes dotados de elevada renda ou
património face ao regime do país vizinho, a Espanha, com quem Portugal
partilha o território físico da península ibérica, e que concorrem
diretamente entre si na atração dessa renda, riqueza e investimento. A
análise incidirá num desenho de pesquisa do tipo estudo de caso (Yin,
2009). Segundo Yin (2009), os estudos de caso são bastante úteis para
analisar a regularidade de um determinado fenómeno social. Para tal, o
objetivo geral deste estudo passa por caraterizar o conceito de residência
para efeitos tributários e de o comparar com o conceito adotado no regime,
bem como o próprio regime de residência adotado nos dois países comparados
(Bryman, 2004).
O estudo começa por caracterizar o
conceito geral de residência fiscal, habitualmente adotado pelos estados.
Em seguida caraterizamos o regime português dos residentes não habituais e
comparamos com o regime geral em vigor em Espanha, procurando aferir qual
deles se revela mais atrativo para o público-alvo. Na cont nuação,
exibem-se os resultados e discutem-se os mesmos, tendo por base a
abordagem utilizada, terminando o trabalho com uma reflexão final.
Demonstra-se que no caso concreto destes
dois regimes específicos nenhum dos estados adoção um conceito novo de
residência para acomodar esta realidade, que materializa vantagens muito
relevantes não só por consagrar alíquotas de imposto de renda mais baixas
do que alíquotas gerais, mas também por evitarem a dupla tributação. Os
resultados sugerem que, a adoção destes regimes específicos concorre para
tornar os sistemas fiscais mais competitivos internacionalmente, sem
violar as regras internacionais sobre concorrência fiscal internacional,
definidas pela OCDE(1) e
para União Europeia(2) nem
configurar os estados objeto de estudo como regimes de baixa tributação
(veja-se o Anexo II).
A
absorção do conceito de “residente não habitual” nos impostos sobre a
renda das pessoas físicas(3)
Os estrangeiros que queiram residir em
Portugal ou os portugueses que saíram para residir outro país (fora ou
dentro da UE - União Europeia), possuidores de certas qualificações
pessoais ou profissionais e que, depois, desejam regressar a Portugal,
podem beneficiar das vantagens fiscais concedidas pelo designado regime
especial de tributação de rendimentos dos residentes (pessoas físicas) não
habituais. No caso português, este regime foi aprovado em 2009 (entretanto
alterado) e atribui algumas vantagens fiscais, durante um período de 10
anos, às pessoas que solicitem a residência fiscal em Portugal.
Este regime especial tem por objectivo,
essencialmente, motivações de ordem fiscal: atrair para Portugal, no dizer
da lei, “profissionais não residentes qualificados em atividades de
elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial, ou
‘know-how’, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro”, que
constem da tabela anexa (Anexo I), refere o guia “IRS–Regime Fiscal para o
Residente Não habitual”, disponível no Portal da Autoridade Tributária
portuguesa(4). Trata-se, portanto, de um regime de imposto sobre as
pessoas singulares ou físicas, especial para novos residentes em Portugal,
que oferece oportunidades fiscais (diga-se, menor tributação) para
indivíduos com elevado património, mas também para pensionistas e
trabalhadores altamente qualificados e de elevada renda que exerçam uma
das atividades constantes da referida Tabela (Anexo I)(5).
É um regime estabelecido por razões de
competitividade económica pela via fiscal, quando comparado
internacionalmente com outros regimes fiscais favoráveis, como se verá
adiante. E que, pelas suas caraterísticas, o regime se situa dentro da
margem de liberdade de cada estado para modelar o seu sistema tributário,
não violando, em princípio, as regras internacionais sobre concorrência
fiscal internacional(6). Ele consagra diferentes modos de tributação
consoante a natureza dos rendimentos obtidos.
Todavia, ele assenta nos mesmos critérios
de residência já anteriormente estabelecidos no código do imposto de renda
das pessoas físicas para todos os demais contribuintes (n.º 1 do artigo
16.º do Código do IRS(7)), não alterando nenhum
dos seus requisitos legais. Assim, verifica-se que o regime não provoca
uma evolução estruturante no conceito de residência fiscal, pois remete
diretamente para os critérios de residência previstos na lei fiscal. Ele
acolhe a realidade de facto que é a intenção expressa de residir, ainda
que o sujeito não esteja fisicamente no território do país a maior parte
do ano a que respeitam as rendas. Como, então é que se consegue que,
residentes não habituais sejam considerados residentes em Portugal,
concedendo-lhes um regime de tributação que é mais favorável do que o
regime dos residentes habituais? Isso se dá porque os critérios de
residência previstos no código do imposto de renda português são já muito
amplos, bastando que ele aí disponha, num qualquer dia do ano em causa,
“de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e
ocupar como residência habitual” (art.º 16.º n.º 1 al. b).
O facto decorre que o novo regime fiscal da residência não habitual em sede
de imposto de renda das pessoas físicas possui uma natureza dual, criando
dois regimes em paralelo para residentes habituais e residentes não
habituais, uma vez que ele apenas tem como objetivo introduzir regras
específicas para a tributação quanto aos rendimentos auferidos pelos
residentes não habituais, sempre que estejam preenchidos os requisitos de
incidência pessoal.
Resultados
e discussão
Em geral, regimes específicos aplicáveis a
residentes não habituais já foram adotados por alguns estados no mundo,
como é o caso de Portugal, Espanha, França, Itália, Malta, Reino Unido,
Irlanda, Suíça, Áustria, Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca e Luxemburgo
(Borges, Sousa, 2009, 5-57). Como se pode ver, a maior parte dos estados
adotantes são europeus. Isso talvez se fique a dever à necessidade dessas
economias, muito abertas ao exterior, atraírem investimento estrangeiro
como forma de potenciar a criação de riqueza. A Europa tem procurado
implementar programas que reforcem a sua competitividade, como é
atualmente o caso do Horizonte 2020 – o Programa quadro para a
investigação e inovação europeia. Nesta pesquisa analisamos os regimes
concretamente adotados por Portugal e Espanha, mas acreditamos que as
conclusões que ex- trairemos serão válidas para um vasto conjunto e outros
estados.
-
O regime fiscal dos residentes
não habituais em Portugal
O
regime fiscal para os Residentes Não Habituais no imposto de renda das
pessoas físicas foi adotado em Portugal em 2009, através do
Decreto-lei 249/2009 de 23.9 , que aprovou o Código do Investimento
Fiscal. Este regime, à semelhança de Espanha, tem como principal
objetivo fomentar o investimento estrangeiro ajudando a desenvolver e
a tornar mais competitiva a economia destes países. Ele foi cria- do
com o propósito específico de captar profissionais altamente
qualificados em atividades de elevado valor acrescentado com carácter
científico, artístico ou técnico ou detentores de propriedade
intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões
obtidas no estrangeiro (Borges, Sousa, 2009).O regime se insere num
conjunto de medidas visando tornar a economia portuguesa mais
competitiva, tornando o sistema fiscal mais apelativo para as
profissões de maior valor acrescentado. O residente não habitual
adquire o direito a ser tribu- tado no período de 10 anos
consecutivos, a partir do ano inclusive, da sua inscrição, como
residente em território português, desde que em cada um desses 10 anos
seja aí considerado residente, não sendo necessário adquirir qualquer
imóvel ou ativo imobiliário, bastando apenas que preencha as condições
previstas no regime.Os beneficiários do regime não podem ter sido
fiscalmente residentes em Portugal nem ter sido tributados em imposto
de renda português (IRS) em qualquer dos cinco anos anteriores.
Vejamos como se processa a tributação dos rendimentos obtidos por
Residentes Não Habituais.
-
A
- Rendimentos de fonte portuguesa
Os rendimentos líquidos das categorias A (trabalho dependente) e B
(trabalho independente) auferidos em atividades de elevado valor
acrescentado por residentes não habituais em território português,
são tributados à alíquota especial (proporcional) de 20 %, se não
for exercida a opção pelo seu englobamento. Os restantes
rendimentos das categorias A e B (não considerados de elevado
valor acrescentado) e aos rendimentos das restantes categorias de
rendimentos, auferidos por residentes não habituais, são
englobados para efeitos de tributação agregada e tributados de
acordo com as regras gerais estabelecidas no código do imposto de
renda das pessoas físicas português (CIRS) e sujeitos às alíquotas
gerais do imposto que ascendem a 50 % para rendimentos acima dos
oitenta mil euros anuais(8).
B
- Rendimentos de fonte estrangeira
O Regime dos Residentes não Habituais estabelece inovadoramente a
elimi- nação da dupla tributação jurídica internacional pelo
método de isenção (Borges, Sousa, 2009). Todavia, esta eliminação
da dupla tributação resulta, na maior parte dos casos, como se
verá, numa dupla não tributação. Assim:
1
– Quanto aos rendimentos de trabalho dependente (categoria A)
Aos
residentes não habituais em território português que obtenham,
no estran- geiro, rendimentos de trabalho dependente, aplica-se
o método de isenção, bastando que se
verifique qualquer das seguintes condições:
- Sejam
tributados no outro Estado contratante, em conformidade com
Acor- do de bi-tributação para eliminar a dupla tributação
celebrada por Portugal com esse Estado; ou
- Sejam
tributados no outro país, território ou região, nos casos em
que não exista o Acordo de bi-tributação para eliminar a dupla
tributação celebrada por Portugal, e desde que os rendimentos
não sejam considerados obtidos em território português.
2 – Quanto aos rendimentos de trabalho independente (categoria
B), rendimentos de capitais (categoria E), rendimentos
prediais (categoria F) e rendimentos derivados de mais-valias
(categoria G), aplica-se o método de isenção, aos residentes
não habituais que obtenham, no estrangeiro:
- Rendimentos
de trabalho independente, auferidos em atividades de elevado
valor acrescentado (ver Anexo L), ou rendimentos provenientes
da proprieda- de intelectual ou industrial, e ainda da
prestação de informações respeitantes a uma experiência
adquirida no setor industrial, comercial ou científico ou
rendimentos de capitais, prediais e mais-valias, bastando que
se verifique uma das seguintes condições:
- Possam
ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade
com convenção para eliminar a bitributação celebrada por
Portugal com esse Estado; ou
- Possam
ser tributados no outro país, território ou região, em
conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o
rendimento e o património da OC- DE (interpretado de acordo
com as observações e reservas formuladas por Portugal), nos
casos em que não exista convenção para eliminar a dupla
tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não
constem da lista aprovada pelo Ministro de Estado e das
Finanças relativa a regimes de tributação privilegiada,
claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os
rendimentos não sejam de considerar obtidos em território
português.
Para que possa ser
aplicada a isenção de tributação, não é exigida a tributação efetiva
no país de origem destes rendimentos, mas apenas que tais rendimentos
o possam ser. Assim, sempre que o Acordo de bi-tributação celebrado
por Portugal e o estado de origem destes rendimentos (ou a Convenção
modelo da OCDE, interpretada de acordo com as observações e reservas
formuladas por Portugal) preveja essa possibilidade e ela não seja
aproveitada pelo estado fonte dos rendimentos, a não tributação
resulta do regime a sua dupla não tributação.
Rendimentos
de pensões (categoria H do IRS)
Aos residentes não
habituais em território português que obtenham, no estrangeiro,
rendimentos de pensões, na parte em que os mesmos, quando tenham
origem em contribuições, não tenham gerado uma dedução para efeitos do
n.º 2 do art.º 25.º do CIRS, aplica-se o método de
isenção, bastando que se verifique qualquer uma das seguintes
condições:
- Sejam
tributados no outro Estado contratante (estado da fonte), em
conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação
celebrada por Portugal com esse Estado; ou
- Não
sejam de considerar obtidos em território português.
Outros
rendimentos obtidos no estrangeiro
Relativamente a quaisquer outros rendimentos obtidos no estrangeiro
como, por exemplo, rendimentos profissionais e empresariais por
profissionais independentes ou empresários em nome individual
(categoria B do IRS), que não beneficiem deste regime fiscal para
residentes não habituais, os mesmos são tributados em território
português de acordo com o princípio estabelecido no art.º 15.º n.º 1
do código do imposto de renda das pessoas físicas (CIRS), nos termos
seguintes:
-
Nos termos do estabelecido
em Acordo de bitributação celebrado por Por- tugal com esse
Estado, existindo; ou
-
Não existindo esse Acordo,
poderá aplicar-se a norma unilateral para eli- minação da dupla
tributação jurídica internacional.
Os
requisitos para que se possa beneficiar do regime são os
seguintes:
- Tenham
permanecido em território nacional mais de 183 dias, seguidos ou
interpolados;
Caso tenham permanecido menos tempo, possuam a 31 de Dezembro desse
ano, uma habitação que se possa considerar como residência habitual,
não sendo necessário adquirir um imóvel (o arrendamento é
suficiente);
- São
ainda considerados como residentes, no caso de serem tripulantes de
navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de
entidades com residência, sede ou direção efetiva em território
nacional ou ainda quando de- sempenham no estrangeiro funções ou
comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
Podem ainda ser consideradas como residentes em Portugal as pessoas que
constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das
pessoas a quem incumbe a direção do mesmo. Os sujeitos passivos podem
usufruir deste re- gime por um período de 10 anos, não renováveis. É
obrigatória a inscrição no regime no ato de obtenção de residência, ou
então até 31 de Março inclusive, do ano seguinte àquele a que se torne
residente em Portugal.
É importante salientar que, no caso dos rendimentos que provenham de
países cujo regime fiscal é mais favorável (os chamados paraísos
fiscais, veja-se o Anexo II), os mesmos serão sujeitos a tributação em
Portugal às alíquotas agravadas no caso dos rendimentos de capitais ou,
às alíquotas progressivas nos casos de obtenção de rendimento de
trabalho, independentemente de o contribuinte usufruir do estatuto dos
residentes não habituais. Veja-se o seguinte exemplo: juros pagos a um
residente não habitual em Portugal, por uma entidade sita nas Bahamas
será tribu- tado à alíquota de 35 %. Como se pode verificar, o regime é
muito vantajoso, pois não só concede isenção a esses rendimentos, como
prescinde da consideração dos níveis de tributação efetiva no estado da
fonte.
-
Outras vantagens adicionais ao
regime
Há
outras vantagens da eleição de Portugal como país de residência, que
com- plementam a atratividade deste regime:
Não
há, em 2016, um imposto geral sobre o património em Portugal e não há
obrigação genérica de declarar quaisquer bens imóveis para as
autoridades fiscais portuguesas (apenas rendimentos), com a excepção
das contas detidas no estrangeiro onde é obrigatório declarar o IBAN e
o SWIFT de cada uma das contas, sendo, ainda, necessário declarar
valores que estejam nas referidas contas não importando desta
obrigação qualquer tributação;
-
As heranças e doações entre
ascendentes e descendentes (exemplo: pai para filho, ou avô para
neto, ou filho para a mãe) e marido e mulher, estão isentos de
imposto;
-
Outras heranças e doações
(como tio para um sobrinho ou pessoas não re- lacionadas) são
tributados a uma alíquota fixa de 10 % sobre os ativos locali-
zados em Portugal (os demais ativos não são sujeitos a imposto);
-
Portugal faz parte da UE e
do espaço Schengen o que permite mobilidade acrescida no espaço
europeu a todos os residentes, ainda que não habituais,
bem
como a total liberdade de movimentação de capitais entre os
estados- membros da União Europeia;
-
Para os cidadãos de estados
que não são membros da UE ou do espaço Schengen, Portugal aprovou,
em 2012, o chamado “Golden Visa Programa” que confere a qualidade
de residente em Portugal para fins fiscais sem que se- ja
necessário obter uma autorização de residência;
-
Os cidadãos portugueses
podem beneficiar do regime, o que faz com que o regime seja
especialmente aliciante para emigrantes portugueses.
-
O regime de tributação dos
residentes não habituais em Espanha
A Espanha adotou em 2004 este regime específico através do
Real Decret3/2004, de 5 de Março, que aprovou alterações ao Código
do Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas (IRPF), equivalente ao
IRS português e, por exemplo, ao IRPF brasileiro, introduzindo através do
Artigo 9º nº 5 a possibilidade de uma pessoa física optar por ser tributada
em Espanha através do regime dos não residen- tes habituais (Flores, 2015).
Os requisitos são os seguintes:
O sujeito passivo deverá estar em regime de destacamento em território es-
panhol durante o período de tributação, ser efetuada a alteração da sua re-
sidência fiscal para Espanha e durante os seguintes 5 períodos de tributação
cumprir (cumulativamente) as seguintes condições:
- Não
tenha sido residente em Espanha durante os 10 anos anteriores ao des-
tacamento;
- Que
o destacamento em território espanhol tenha como base um contrato de
trabalho;
- Que
os trabalhos se realizem em território espanhol e que se realizem para
entidade residente em Espanha ou num estabelecimento estável situado em
Espanha, no caso de a empresa que não ser residente;
- E
que os rendimentos de trabalho que advenham dessa relação laboral não
estejam isentos de tributação pelo “Impuesto sobre la Renta de las
Personas Físicas” espanhol (Ribes, 2015, 460-473).
Este regime esteve em vigor até 1 de
Janeiro de 2007. Posteriormente entraram em vigor (a 1 de Janeiro) através
da Lei 35/2006, de 28.11, alterações ao IPRF, às Leis relativas aos
impostos sobre as sociedades, sobre o património e sobre o rendimento dos
não residentes. As modificações parciais relativas ao rendimento dos
residentes não habituais, encontram-se espelhadas na Secção 5 do Artigo
93.º da referida Lei.
Em resultado destas
alterações, é criada uma excepção para desportistas profissionais,
relativamente à obrigação de haver um contrato de trabalho que justifique
o destacamento, (Real Decreto 1006/1985, de 26 de Junho). Considera-se
também, que o destacamento se produz como consequência de um sujeito
passivo se tornar administrador de uma empresa espanhola, caso o mesmo não
participe no capital da entidade, ou, caso participe que essa participação
seja inferior a 25 %.
Através da Disposición Final 13.ª de la
Ley 26/2009 de 23 de Diciembre de “Presupuestos Generales del Estado para
el ejercicio 2010”, estabeleceu-se uma limitação adicional de acesso ao
regime, relativa ao volume de rendimento de trabal-ho abrangido, que não
pode ser superior a 600.000,00€ brutos anuais. A alteração ao regime
através da Lei 26/2014, de 27 de novembro, veio reformular a Lei relativa
ao Impuesto sobre la Renta de no Residentes (aprovado
pelo Real Decreto Le- gislativo 5/2004, de 5.3) teve como objetivo adequar
o Imposto sobre o Rendimento dos não residentes habituais às normas
comunitárias.
Ela visou alcançar uma maior clareza e
reforçar as liberdades da livre circulação previstas no Direito Europeu,
incidindo especialmente nos contribuintes não resi- dentes sem
estabelecimento estável e nas relações entre pessoas físicas ou pessoas
jurídicas, que estabelece para cada um destes casos os gastos dedutíveis
para o cálculo da matéria colectável por remissão da normativa para o Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas y del
Impuesto sobre Sociedades, respetivamente.
O regime
fiscal dos residentes não habituais espanhol (“régimen
de impatria- dos”) admite agora pela nova Lei 26/2014, de 26 de
novembro que:
- O
contribuinte não tenha sido residente em Espanha nos 10 períodos fiscais
(e não 10 anos como estava previsto anteriormente) anteriores ao
destacamen- to;
- Os
rendimentos previstos podem agora exceder os 600.000€ anuais;
- É
suprimida a obrigação de os trabalhos se realizarem obrigatoriamente em
Espanha, para uma entidade residente em Espanha e que os rendimentos de
trabalho não estejam isentos de tributação em sede de Imposto sobre o
rendi- mento e pessoas singulares;
A tributação dos rendimentos obtidos é efetuada da seguinte forma:
- Rendimentos
de trabalho – os primeiros 600.000€ serão tributados à taxa de 24 %, a
partir desse limite aplica-se a taxa de 47 % (em 2015) e de 45 % (2016
em diante).
- Rendimentos
derivados de capitais como, os juros ou os dividendos de fonte
espanhola, são aplicadas as taxas entre os 20 % e 24 % para os rendi-
mentos de 2015 e entre os 19 % e 23 % para os rendimentos de 2016
(Clavijo, 2013).
Cabe ainda referir que as alíquotas gerais do IRPF espanholas são
progressivas e variam entre os 19,00 % para rendimentos até 12.450 euros, e
os 45 % para os rendimentos acima de 60 000 euros (Quadro I).
Quadro
I. Alíquotas gerais do Regime espanhol de tributação dos residentes não
habituais
Fonte:Elaboração
própria com base nos dados em www. asessorialaboral. pro
Vejamos o quadro seguinte (Quadro II) com as alíquotas gerais aplicáveis às
rendas das pessoas físicas residentes em Portugal e Espanha no ano de 2016:
Quadro
II. Alíquotas gerais dos regimes português e espanhol de tributação dos
residentes não habituais
Fonte:
Elaboração própria com base nos dados na informação recolhida através do
art. 63. 1 . 1 º y 74. 1 . 1 º de la Ley 35/2006, modificado por Real
Decreto-ley 9/2015, de10 de julio e Artigo 68º CIRS.
Através do quadro acima conclui-se que, as
alíquotas gerais são muito semel- hantes em ambos os países, adotando
ambos 5 escalões de renda tributável. De uma maneira geral, podemos
concluir que as alíquotas gerais aplicadas em Espanha são mais favoráveis
do que as aplicadas em Portugal. Mas, isso não significa que o im- posto
devido em Espanha seja, necessariamente, inferior ao imposto português
para rendimentos comparáveis, como se pode concluir do exemplo prático que
se segue.
Como se
verifica, a Espanha alterou o seu regime no sentido de o tornar ainda mais
atrativo. Em síntese, o Regime dos Residentes Não Habituais adotados nos
dois estados objeto de estudo é o se resume no quadro seguinte. Estas
caraterísticas são, em larga medida, similares às de outros regimes
paralelos, além dos ora comparados, como o regime britânico, o holandês e
o francês, (veja-se Clavijo, 2013 e Flores, 2015, . 81- 87) (Quadro III).
Quadro
III. Características do Regime dos Residentes não Habi- tuais em Portugal
e Espanha
Fonte: Elaboração própria a partir dos
regimes em vigor em ambos os países.
Em resultado da caraterização que antecede, apresentam-se de seguida, dois
exemplos práticos de aplicação dos regimes em cada um dos países, tomando
por base a mesma situação de facto.
No primeiro exemplo o sujeito A é solteiro
e obteve em 2016 os seguintes ren- dimentos: rendimento proveniente de uma
profissão de alto valor acrescentado no montante de 20.500€ sem qualquer
retenção na fonte auferiu, igualmente, nesse mesmo ano, 1.500€ de juros
provenientes de investimentos em instrumentos de ca- pital Suíços. No
segundo caso o sujeito A obteve para além dos juros provenientes da Suíça
de 1.500€ um rendimento proveniente de uma profissão de alto valor
acrescentado no montante de 50.000€ e, também neste caso, não deu lugar a
qual-quer retenção na fonte.
Veja-se agora a figura abaixo (Figura I), que demonstra os impostos que o
sujeito A teria que pagar em ambos os cenários fosse ele residente não
habitual em Portugal ou fosse ele residente não habitual em Espanha.
Figura
I. Simulações para ambos os Regimes
Fonte: Elaboração própria.
Como se pode concluir, do exemplo que
antecede, com o mesmo nível de renda o mesmo sujeito passivo pagaria em
Portugal um imposto de renda no valor de 4100€. Se fosse residente em
Espanha, esse mesmo contribuinte pagaria um imposto de renda no valor de
4920€, ao passo que o imposto devido pelo mesmo contribuinte, calculado
segundo as regras do regime geral do imposto de renda seria em cada um dos
Estados, de 5311€ ou 4600€, respetivamente.
Seja como for, olhando globalmente para todas as especificidades do mesmo
regime tributário em cada um dos Estados, os dados sugerem que os regimes
são bas- tante comparáveis e concedem, globalmente, um nível bastante
idêntico de vantagens fiscais.
Assim, para além da diferenças de imposto
a pagar, ao passo que o regime Português apresenta alíquotas mais altas do
que o espanhol, também é verdade que o
regime espanhol é mais exigente do que o primeiro, na medida em que requer
que o beneficiário não tenha sido residente em Espanha nos 10 anos
anteriores, ao passo que o regime português apenas exige 5 anos. Por outro
lado, o regime português é concedido por 10 anos, contra os 5 do regime em
Espanha. O maior período temporal concedido em Portugal compensará o facto
de as suas alíquotas serem um pouco mais altas.
Por outro lado, o regime espanhol, sucessivamente alterado, parece ser
mais flexível, ao exigir 5 períodos de tributação contra os 5 anos
exigidos pelo regime comparado.
Conclusões
A ação conjugada da digitalização, da
realidade virtual e da globalização determinam uma muito maior facilidade
de deslocalização da renda das pessoas físicas. Sendo mais fácil a estas
pessoas imaterializar e desterritorializar as suas rendas, os regimes de
tributação dos residentes não habituais visam criar condições para
fomentar a atração para Portugal e Espanha dessas rendas e, assim, ganhar
competitividade fiscal face ao regime geral a que é sujeita a grande massa
dos demais contribuintes residentes habituais.
Os estados que adotam tais regimes
procuram alcançar mais receita fiscal, através do imposto sobre a renda
das pessoas físicas. Fazem-no porém, à custa das receitas de outros
estados, que não adotam uma postura tão agressiva na tributação dessas
rendas, mais altas para certos grupos de contribuintes mais qualificados.
Ambos os regimes modificam a substância e os habituais limites do
tradicional elemento de conexão, que é residência dos sujeitos passivos o
imposto de renda das pessoas físicas, adaptando-o às necessidades de
tributação desse imposto.
Na verdade, parece confirmar-se que este regime procura responder à crise
dos três fatores nucleares da tributação, de acordo com a perspetiva
clássica, que são o território, a materialidade das operações e o controlo
dos factos tributários. As suas características sugerem que eles combatem
os efeitos da ação fatores, pela evidente desmaterialização,
desintermediação e digitalização de algumas rendas. As eviden- ciadas
caraterísticas destes regimes de tributação, dos residentes não habituais,
sugerem ainda que eles pretendem ser uma resposta à evidente crise do
conceito de clássico de território, em que habitualmente repousou o
direito tributário.
Não se trata, porém, de um elemento de
conexão novo, mas apenas de uma melhor utilização do elemento tradicional
de conexão das rendas das pessoas físicas, com os estados soberanos, que é
a residência. Ambos os estados, objeto desta pesquisa, alargam as
condições de residência a todos os contribuintes que, reunindo os demais
requisitos substantivos exigidos pelos regimes, alcançam as suas vantagens
ainda que não tenham permanecido por 183 dias, seguidos ou interpolados,
em um dos seus territórios, quando disponham em qualquer desses dois
estados, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a
manter e ocupar como residência habitual.
O regime visa, em ambos, idênticos fins, a
saber, reforçar a atratividade fiscal, conjugando alíquotas de imposto de
renda bem mais baixas do que as alíquotas gerais desse imposto nos dois
países objeto de pesquisa.
Os dados demonstram que, sobretudo em Espanha, o regime foi sucessivamente
alterado para reforçar as suas condições de atratividade internacional.
Ambos os regimes materializam políticas de maior agressividade fiscal face
a um mundo aberto, com ampla liberdade de circulação de pessoas e
capitais. Ambos têm por finalida- de, tornar mais competitivos os regimes
fiscais dos países objeto desta pesquisa, e ambos corporizam a nova
atitude que tem vindo a ser adotada, face às novas coordenadas e aos
emergentes problemas de tributação num mundo global. Entre eles, porém, há
uma similitude de soluções que não permite concluir no sentido de que um
dos regimes seja mais atrativo do que o outro.
Os dados sugerem que, o regime português parece ser mais competitivo quer
porque os critérios de acesso são menos exigentes, quer porque o valor do
imposto calculado com base em cada um dos regimes, se revelou menor no
caso português.
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YIN, R. (2009). Case Study Research – Design and Methods, Fourth Edition.
Sage.
ANEXOS
ANEXO
I - Tabela de atividades de rádio e televisão; elevado valor
acrescentado para 202 - Cantores; efeitos do disposto no n.º 6 do 203 -
Escultores; artigo 72.º e no n.º 4 do artigo 81.º 204 - Músicos; do Código
do IRS 205 - Pintores.3 - Auditores:
1 - Arquitetos, engenheiros e técnicos 301 - Auditores; similares: 302 -
Consultores fiscais.
101 - Arquitetos; 4 - Médicos e dentistas:
102 - Engenheiros; 401 - Dentistas;
103 - Geólogos. 402 - Médicos analistas; 2 - Artistas plásticos, atores e
músicos: 403 - Médicos-cirurgiões;
201 - Artistas de teatro, bailado, cinema, 404 - Médicos de bordo em
navios;
405 - Médicos de clínica geral; 406 - Médicos dentistas;
407 - Médicos estomatologistas; 408 - Médicos fisiatras;
409 - Médicos gastroenterologistas;
410 - Médicos oftalmologistas;
411 - Médicos ortopedistas;
412 - Médicos otorrinolaringologistas;
413 - Médicos pediatras;
404 - Médicos radiologistas;
405 - Médicos de outras especialidades. 5 - Professores:
501 - Professores universitários. 6 - Psicólogos:
601 - Psicólogos.
7 - Profissões liberais, técnicos e assimilados:
701 - Arqueólogos;
702 - Biólogos e especialistas em ciências da vida;
703 - Programadores informáticos; 704 - Consultoria e programação
informática e atividades relacionadas com as tecnologias da informação e
informática; 705 - Atividades de programação informática;
706 - Atividades de consultoria em informática;
707 - Gestão e exploração de equipamento informático;
708 - Atividades dos serviços de informação;
709 - Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e
actividades relacionadas; portais Web; 710 - Atividades de processamento de
dados, domiciliação de informação e actividades relacionadas;
711 - Outras atividades dos serviços de informação;
712 - Atividades de agências de notícias; 713 - Outras atividades dos
serviços de informação;
714 - Atividades de investigação científica e de desenvolvimento;
715 - Investigação e desenvolvimento das ciências físicas e naturais;
716 - Investigação e desenvolvimento em biotecnologia;
717 - Designers.
8 - Investidores, administradores e gestores:
801 - Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de
investimento produtivo, desde que afetos a projetos elegíveis e com
contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código
Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de
Setembro;
802 - Quadros superiores de empresas.
ANEXO II - Portaria n.º 292/2011, de 8 de
novembro - Lista dos países, territórios e regiões com regimes de
tributação privilegiada claramente mais favoráveis
Fonte: Elaboração própria.
Notas
1 OCDE, Harmful Tax Competition – An Emerging
Global Issue, 1998, (consultável em
http://www.oecd-ilibrary.org/taxation/harmful-tax-competition_9789264162945-en; Relatório BEPS – Base
Erosion and Profit Shifting, 2015, consultável em http://www. oecd.org/tax/beps-2015-final-reports.htm;
Action Plan on Base Erosion and Profit Shifting, 2013, consultável em
https://www.oecd.org/ctp/BEPSActionPlan.pdf
2 Veja-se o Código de Conduta sobre a
Fiscalidade das Empresas, do Conselho, consultável em
http://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2016/03/08-
ecofin-conclusions-code-conduct-business-taxation/
3 Falamos
do imposto geral sobre a renda das pessoas físicas português, que
tributa todas as rendas obtidas num determinado ano económico,
denominado IRS. Este imposto é, em larga medida, muito semelhante ao
adotado noutros estados da união europeia, incluindo a Espanha (IRPF),
bem como em grande parte dos estados no mundo, com denominação de IRPF,
como é também o caso do Brasil e de outros estados latino-americanos.
4 Em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/83762009-3DC2-47FC-ABBE
-35EFE35E8865/0/IRS_RNH_PT.pdf consultado em dezembro 2016.
5 Marta Ramos Mendes, O novo
regime fiscal do residente não habitual - análise à luz do princípio da
não discriminação do Direito Europeu, Tese de Mestrado em Direito –
Universidade do Porto, 2011; Ricardo Palma Borges e Pedro Ribeiro De
Sousa, “O Novo Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais”, in Fiscalidade
n.º 40 (Out – Dez 2009), Lisboa, 5-57.
6 Para maiores desenvolvimentos
sobre o regime dos residentes não habituais face ao regime europeu dos
Auxílios de Estado veja-se Marta Ramos Mendes, O novo regime fiscal do
residente não habitual - análise à luz do princípio da não discriminação
do Direito Europeu, Tese de Mestrado em Direito – Universidade do Porto,
2011, p. 13.
7 Manuel Pires e Rita Calçada
Pires, Direito Fiscal 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 49; Manuel
Faustino, Os residentes no imposto sobre o rendimento pessoal (IRS)
português, in Ciência e Técnica Fiscal n.º 424 Julho-Dezembro, Centro de
Estudos Fiscais, Direção Geral dos Impostos, Lisboa, 2009, p. 139. De
acordo com o preceito, são residentes em território português as pessoas
que, no ano a que respeitam os rendimentos:
- Hajam
nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer
período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;
- Tendo
permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período
referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor
intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;
- Em
31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que
aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção
efetiva nesse território;
- Desempenhem
no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do
Estado Português.
- Para
efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de
presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que
inclua dormida no mesmo.
- As
pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º
1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em
território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer
dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste
território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma
das condições previstas no n.º 1. (…)
8 As alíquotas gerais do IR
português são progressivas e variam entre os 14,50 % para rendimentos até
7.000 euros e os 48 % para os rendimentos acima de 80 000 euros.