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Fábio
Andrade Martins |
As
obrigações acessórias e as novas tendências em matéria de
cumprimento cooperativo na administração tributária do estado de
São Paulo
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Obligaciones accesorias y nuevas tendencias
en términos de cumplimiento cooperativo en la administración tributaria
del estado de São Paulo
Ancillary Obligations and New Trends in
Terms of Cooperative Compliance in the Tax Administration of the State of
São Paulo
Agente Fiscal de Rendas do Estado de São
Paulo. Bacharel em Engenharia Elétrica, Direito e Ciências Contábeis.
Máster Internacional em Administración Tributaria y Hacienda Publica por
el Instituto de Estudios Fiscales del Ministerio de Hacienda de España
IEF. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários – IBET. Mestrando em Direito Constitucional e
Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
–PUC/SP. ORCID:
0000-0002-2803-7775
Resumo: Este artigo objetiva analisar as
novas ações de cobrança e fiscalização de tributos, realizadas pela
Administração Tributária de São Paulo, sob a luz dos princípios da
praticabilidade, eficiência, livre iniciativa e livre concorrência,
mormente em relação à influência que podem exercer sobre a moral
tributária dos contribuintes paulistas, consi- derando-se as limitações
inerentes à capacidade institucional do órgão e as novas tendências em
matéria de cumprimento tributário cooperativo.
Palavras-chave: eficiência, praticabilidade, administração tributária
paulista, moral tributária, cumprimento tributário cooperativo.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo
analizar las nuevas acciones de recaudación e inspección de impuestos,
llevadas a cabo por la Administración Tributaria de São Paulo, a la luz de
los principios de viabilidad, eficiencia, iniciativa libre y libre
competencia, especialmente en relación con la influencia que pueden
ejercer sobre la moral tributaria de los contribuyentes paulistas,
considerando las limitaciones inherentes a la capacidad institucio- nal de
la agencia y las nuevas tendencias en el cumplimiento tributario
cooperativo.
Palabras clave: eficiencia, practicabilidad, administración tributaria de
São Paulo, moralidad tributaria, cumplimiento fiscal cooperativo.
Abstract: This article aims to analyze
the new actions of collection and inspection of taxes, carried out by the
Tax Administration of São Paulo, in the light of the principles of
practicability, eficiency, free initiative and free competition,
especially in relation to the influence they can exert on tax morality of
São Paulo taxpayers, considering the limitations inherent to the
institutional capacity of the agency and the new trends in cooperative tax
compliance.
Keywords: Ef iciency, Practicability, São Paulo Tax Administration, Tax
Morality, Cooperative Tax Compliance.
Recibido: 20191220 - Aceptado: 20200122
Introdução
A Constituição Federal estabeleceu, no
artigo 145, § 1º, o princípio da capacidade contributiva como linha mestra
orientadora de todo o sistema tributário brasileiro. Trata-se de princípio
manifestador dos ideais de justiça e igualdade na instituição e
arrecadação de tributos, pois determina que os particulares somente devem
contribuir para com a receita do Estado na proporção dos seus haveres.
No entanto, para que o Fisco consiga conferir efetividade a este mandamento
constitucional, faz-se necessário identificar os elementos presuntivos da
riqueza ostentada por cada contribuinte. Para este desiderato, o Código
Tributário Nacional previu a possibilidade de instituição de obrigações
acessórias como meio para assegurar o cumprimento da obrigação principal e
dar operacionalidade à atividade de arrecadação e fiscalização dos tributos.
Contudo, ao passo que esta espécie de obrigação confere maior possibilidade
de as Administrações Tributárias identificarem as capacidades contributivas
dos sujeitos passivos e, com isso, atenderem ao primado da isonomia na
arrecadação tributária, acabam por tornar o sistema tributário mais complexo
e com um elevado custo de conformidade, caminhando na direção oposta ao novo
paradigma almejado para a re- lação entre Fisco e contribuintes, que agora
deve estar orientada por ações mais trans- parentes e eficientes,
construindo-se uma cultura de confiança mútua entre as partes.
Ainda que se reconheça a importância da repressão fiscal, essa nova
perspectiva permite ações mais variadas pelos sujeitos ativos, que passam a
se preocupar também em construir uma relação de maior cooperação e confiança
com os particulares, repercutindo na elevação espontânea da conformidade
tributária por intermédio de um significativo aumento da moral tributária.
Portanto, considerando-se que a relação entre Fisco e contribuinte está em
cons- tante evolução, cujo novo paradigma está pautado na influência que as
Adminis- trações Tributárias poderão exercer sobre a moral tributária e a
conformidade fiscal, pretende-se, com este trabalho, analisar se as normas
tributárias paulistas atendem
ao novo padrão e, concomitantemente, são aptas à concretização dos
princípios constitucionais tributários.
A natureza jurídica das obrigações acessórias
O primeiro fundamento de validade das obrigações acessórias é o artigo 113
do Código Tributário Nacional, in verbis:
- Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. [...]
- § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por
objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no
interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
- § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância,
converte- se em obrigação principal relativamente à penalidade
pecuniária.
O segundo, a norma geral e abstrata que
instituir o tributo a elas vinculado. Data vênia,
enganam-se aqueles que fundamentam a previsão de sua existência no artigo
145, § 1º, da Constituição Federal, pois a instituição de uma obrigação
acessória não deve estar somente circunscrita à identificação do
patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte.
Sua função é auxiliar as Administrações Tributárias em seu core
business, qual seja a arrecadação e a fiscalização tributária em
seu sentido lato. Desta forma, o Código Tributário Nacional considera-as
como verdadeiras obrigações, cujo objeto é a previsão de prestações
positivas ou negativas instituídas no interesse da arrecadação ou
fiscalização tributária.
Alguns autores incluem o termo “tolerar” como apto à instituição de
obrigações acessórias. É o caso de Hugo de Brito Machado, para quem:
Já na obrigação acessória as prestações
positivas a que alude o Código com- preendem um fazer, um não fazer, ou um
tolerar, como, por exemplo, (a) emi- tir uma nota fiscal, escriturar um
livro, inscrever-se no cadastro de contribuintes (fazer); (b) não receber
mercadorias desacompanhadas da docu- mentação legalmente exigida (não
fazer); e (c) admitir o exame de livros e do- cumentos pelo fiscal
(tolerar) (Machado, 2008, 123).
Neste mesmo sentido estão as opiniões de Leandro Paulsen, que defende que a
“obrigação acessória é obrigação de fazer em sentido amplo (fazer, não
fazer, tolerar), no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos
tributos” (Paulsen, 2017, 931) e José Maria Lago Monteiro, o qual afirma que
“hemos definido las prestaciones formales como aquellas que son objeto de
deberes de hacer, no hacer o soportar inherentes a la gestión de los
tributos” (Lago Monteiro, 1998, 104).
Muitos autores criticam o termo “obrigação acessória” pelo fato de nem
sempre estar vinculada a uma obrigação principal e por não se tratar de
obrigação propriamente dita, já que ausentes de um conteúdo dimensível
economicamente:
Tais relações são conhecidas pela designação
imprecisa de obrigações acessórias, nome impróprio, uma vez que não
apresentam o elemento caracterizador dos laços obrigacionais, inexistindo
nelas prestação passível de transformação em termos pecuniários (Carvalho,
2016, 295).
Além disso, afirmam que, por não serem
transitórias (p. ex. manter livros fiscais), não estariam incluídas no
conceito de obrigação propriamente dita, de forma que o sujeito ativo
poderia exigir novamente as informações sempre que julgasse conveniente,
conforme advoga Alcides Jorge Costa: “ao lado da falta de
patrimonialidade, aponta-se a não transitoriedade dessas obrigações
acessórias como sinal de não serem obrigações propriamente ditas” (Costa,
1993, 216).
São adeptos desta tese os autores Paulo de
Barros Carvalho (Carvalho, 2016, 290-291), Aires Fernandino Barreto
(Barreto, 2009, 122-125), Roque Antonio Carrazza (Carrazza, 2010, 185),
Sacha Calmon Navarro Coelho (Coêlho, 2009, 615), Geraldo Ataliba (Ataliba,
1978, 58), José Eduardo Soares de Melo (Melo, 2005, 247), Ricardo Lobo
Torres (Torres, 2010, 240) e Caio Augusto Takano (Takano, 2017, 114–115).
Em resumo, tais estudiosos propugnam pela atecnia do Código Tributário
Nacional em classificar as “obrigações acessórias” como instituto de
natureza obrigacional. Defendem tratar-se de deveres formais ou
instrumentais, de natureza meramente administrativa.
Outros, contudo, apesar de concordarem que
as obrigações acessórias carecem de um aspecto patrimonial próprio das
obrigações civilísticas, entendem tratar-se de conceito jurídico-positivo
próprio criado pelo CTN:
Como se vê, essa crítica não sustenta a
invalidade das normas que, no CTN, disciplinam as obrigações acessórias.
Limita-se a increpálas de tecnicamente incorretas. E, para fundamentar
essa increpação, socorre-se das doutrinas jurídicas, sobretudo
civilísticas. Não de uma análise internormativa, ou seja, das relações
entre essas normas gerais de Direito Tributário e as normas
constitucionais que, enquanto tais, lhe são supraordenadas. Dito noutras
palavras: não pretende a crítica sustentar a invalidade das normas sobre
obrigações tributárias acessórias insertas no CTN. Tão só restringe-se a
censurarlhes a alegada impropriedade técnica. Essa ponderação não deve
passar despercebida. Porque é a confusão entre essas propostas
doutrinárias de aperfeiçoamento técnico (política jurídica) e o plano das
proposições sobre a validade das próprias normas (ciência jurídica) que,
nesse particular, contamina toda a construção crítica edificada em torno
do CTN (Borges, 1984, 46).
A autora Misabel Derzi, em profícuo
estudo, concorda com o posicionamento de Souto Maior Borges e aduz que,
sendo a obrigação instituto jurídico criado pelo direito positivo, pode a
lei tributária outorgar-lhes atributos específicos e essenciais:
Estamos diante de deveres jurídicos
(principais ou acessórios), sem dúvida, e isso é essencial a todas as
obrigações, que correspondem a deveres, no plano lógico. São deveres
qualificados de obrigacionais pelo CTN, que poderia fazê- lo, sendo uma
categoria de Direito positivo. Como toda obrigação, no sentido material
positivo, configura também um dever, no plano lógico-jurídico, deduz que o
legislador, ao referir-se à obrigação, afasta a idéia de meras condutas
facultativas, nas quais haveria certa dose de discricionariedade para o
sujeito (Baleeiro, 2002, 700).
Compartilham deste entendimento os
autores: Rubens Gomes de Sousa (Sousa, 1982, 83-100), Rui Barbosa Nogueira
(Nogueira e Nogueira, 1977, 97-99), Paulo Roberto Cabral Nogueira
(Nogueira e Nogueira, 1977, 97-99), Regina Helena Costa (Costa, 2009, 173)
e Aliomar Baleeiro (Baleeiro, 2002, 700).
Além destes dois posicionamentos, há uma
terceira corrente que refuta a ausên- cia de patrimonialidade nas
obrigações acessórias. Para estes autores, o custo de conformidade
necessário para o adimplemento das obrigações acessórias seria o as- pecto
economicamente apreciável da patrimonialidade:
A legislação
tributária, como forma de diminuir os gastos com a máquina arrecadatória,
a cada dia tem conferido mais e maiores atribuições relativas à
perquirição do quantum debeatur aos contribuintes. E daí advém mais um
fundamento de ordem pragmática pela patrimonialidade dessas espécies de
obrigação tributária. Os gastos que o fisco não realiza ao delegar tais
atividades ao contribuinte, obviamente, a este são repassados. A
pragmática é rica em exemplos: os contribuintes hoje se desdobram no
intuito de dar cumprimento às obrigações tributárias acessórias. As
grandes empresas têm número considerável de empregados (estrutura de
pessoal) lotados em boa parte de seus espaços (estrutura física) única e
exclusivamente para o cumprimento das obrigações tributárias acessórias.
Uma burocratização destemperada na atividade de quantificação e pagamento
dos deveres que incumbem aos contribuintes (obrigações acessórias)
(Borges, 2005, 325-326).
Também podem ser incluídos como aderentes
a esta tese os seguintes doutrinadores: Fábio Fanucchi (Fanucchi, 1975,
224), Arnaldo Borges (Borges, 1978, 85- 97) e Ives Gandra da Silva Martins
(Martins, 1983, 76-80).Conceito do direito privado, a obrigação é
conceituada pela doutrina civilista como sendo uma relação jurídica
pessoal e transitória de natureza econômica, existente entre um sujeito
ativo, denominado credor, e outro sujeito passivo, o devedor, pela qual
este fica vinculado àquele, em seu proveito, no cumprimento, espontâneo ou
coativo, de uma prestação patrimonial, seja positiva ou negativa,
garantida pelo patrimônio da parte inadimplente: “em sentido estrito,
‘obrigação’ é a relação jurídica entre duas (ou mais) pessoas, de que
decorre a uma delas, ao debitor, ou a algumas, poder ser exigida, pela
outra, creditor, ou outras, prestação” (Miranda,
1984, 12). Na versão clássica, para Washington de Barros
Monteiro (Monteiro, 2003, 8), a
obrigação pode ser enunciada como:
-
[...] a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida
entre devedor e cre- dor e cujo objeto consiste numa prestação
pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao
segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.
Deste modo, de acordo com esta construção, pode-se elencar os
elementos constitutivos da obrigação, como sendo:
-
elementos subjetivos: o
credor (sujeito ativo) e o devedor (sujeito passivo);
-
elemento objetivo imediato:
a prestação;
-
elemento imaterial, virtual
ou espiritual: o vínculo existente entre as par- tes.
No ramo público do Direito Tributário,
apesar do conceito de obrigação ser muito parecido ao do Direito Privado,
existem diversas obrigações de cunho burocrático, sem qualquer conteúdo
economicamente apreciável. Isso se torna possível pela faculdade que
possui o Direito Tributário de alterar a definição, conteúdo e alcance dos
conceitos de Direito privado que não sejam utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos
Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios,
para definir ou limitar competências tributárias, conforme se depreende da
leitura atenta dos artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional(1), in
verbis:
Art. 109. Os princípios gerais de direito
privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance
de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos
respectivos efeitos tributários.
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o
alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados,
expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições
dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos
Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Não obstante os respeitadíssimos
argumentos utilizados pelos ilustres autores, adeptos das outras
correntes, será utilizado, neste trabalho, o posicionamento da- queles que
consideram as obrigações acessórias como um conceito jurídico-positivo
próprio criado pelo CTN, pois compartilha-se do entendimento de Pontes de
Miranda, para quem a patrimonialidade não é pressuposto da obrigação, como
os são a licitude, a possibilidade e a determinação:
Obrigação e patrimonialidade – Longe vai o
tempo em que se não atendia ao interesse sòmente moral da prestação, em
que se dizia que a prestação tinha de ser patrimonial. O que se deve pode
não ter qualquer valor material, como se A obtém de B que o acompanhe ao
teatro por ser B de alta família. Nem o interesse é patrimonial, nem a
prestação é de valor patrimonial, nem há ilicitude na promessa. Diz-se que
é preciso ser suscetível de valoração econômica o que se presta [...]
[...]
No art. 1.174 do Código Civil italiano,
diz-se que a prestação que é objeto da obrigação deve ser suscetível de
valoração econômica e deve corresponder a interesse do credor, ainda que
não seja patrimonial (“La prestazione che forma oggetto dell’
obligazione deve essere suscettible di valutazione econômica e deve
corrispondere ad um interesse, anche non patrimoniale, del creditore”).
Só se aludia à não-patrimonialidade do interesse; exigiu-se a
valorabilidade econômica da prestação. Para o legislador italiano, o
que, não sendo fungível, não pode ser prestado em pecúnia, não é objeto
de obrigação.
[...]
No sistema jurídico brasileiro, não se
pode introduzir a regra jurídica italiana. Se a prestação é lícita, não
se pode dizer que não há obrigação (= não se irradiou) se a prestação
não é suscetível de valoração (Miranda, 1984)[...].
Neste mesmo sentido estão os ensinamentos
de José Souto Maior Borges, cujo trecho transcrito abaixo bem representa a
idéia de que a “obrigação” não está restringida apenas ao ramo do Direito
Civil:
Como a obrigação não é
categoria lógico-jurídica, mas jurídico-positiva, construção de direito
posto, é ao direito positivo que incumbe definir os requisitos necessários
à identificação de um dever jurídico qualquer como sendo um dever
obrigacional. Significa dizer: a obrigação é definida, em todos os seus
contornos, pelo direito positivo.
Simplesmente, não há atributos “essenciais” da obrigação – e que assim o
fos- sem, porque vinculantes para o direito positivo. Ao contrário,
atributos da obrigação são os que estiverem contemplados em norma
construída como obrigacional. Antecipando as consequências: a
patrimonialidade será ou não um requisito da obrigação, conforme esteja
pressuposta ou não em norma de direito obrigacional. Não será próprio,
então, sustentar-se, já sob esse prisma inicial, que, ou se está diante de
uma categoria patrimonial, ou de obrigação não se tratará (Borges,
2015, 41).
Orlando Gomes (Gomes, 2004, 23) por sua
vez, sustenta que, necessariamente, o objeto da obrigação deve ser
suscetível de avaliação econômica, no entanto, o interesse do credor pode
não revestir-se de conteúdo patrimonial.
Os argumentos apresentados acima reforçam
a tese de que, apesar da obrigação acessória não ser suscetível de
avaliação pecuniária, consubstancia-se em uma prestação obrigacional. A
hipótese de incidência das obrigações acessórias e os limites à sua
imposição Os fatos passíveis de serem previstos no
antecedente das normas de incidência de
obrigações acessórias devem atender aos ditames previstos no artigo 115 do
Código Tributário Nacional, o qual reverbera que o “fato gerador da
obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação
aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure
obrigação principal”.
Portanto, pode-se concluir que as
hipóteses de incidência das normas que preveêm obrigações acessórias podem
ser dadas por exclusão. Todas aquelas obrigações que não estiverem
vinculadas a uma obrigação principal serão fatos previstos nos
antecedentes das normas tributárias como aptos ao surgimento de uma
determinada obrigação acessória. Neste sentido está o posicionamento de
Luciano Amaro, para quem:
O conceito de fato
gerador da obrigação acessória é dado por exclusão: toda situação que dê
origem a um dever que não tenha por objeto uma prestação pecuniária
(tributo ou penalidade), por exemplo, a situação que faz surgir o dever de
escriturar livros, de emitir notas fiscais, etc., ou seja, se o ato que a
legislação impõe, à vista de certa situação, não é recolher uma quantia em
dinheiro, ou se a lei impõe uma omissão, trata-se de fato gerador de
obrigação acessória (Amaro, 2006, 257).
Em sentido contrário a esta opinião está o
entendimento do autor Caio Augusto Takano, o qual, apesar de entender
possível a construção de hipóteses normativas para qualquer norma
jurídica, propugna pela tese de que a relação de sujeição aos “deveres
instrumentais” nunca se extingue, podendo a Administração demandar novas
prestações sempre que assim entender conveniente e oportuno. Enfatiza a
dificuldade de se identificar o fato gerador dos “deveres instrumentais”
negativos, como, por exemplo, o encargo de sujeitar-se à fiscalização do
IRPJ. Para o autor, os critérios materiais e pessoais, neste caso,
confundir-se-iam. Nesta mesma senda estão os ensinamentos de Luís Eduardo
Schoueri e Sacha Calmon Navarro Coêlho:
Por ora, vale notar que causa espécie
cogitar de um ‘fato gerador’ na ‘obrigação acessória’. É certo que muitas
vezes a legislação, de fato, preverá uma hipótese abstrata que, uma vez
concretizada, dará azo à ‘obrigação acessória’: a entrega de uma
declaração de ajuste anual, no Imposto de Renda, é um exemplo. Entretanto,
como se viu anteriormente, boa parte dos deveres instrumentais são
contínuos. A menos que se considere cada solicitação da autoridade fiscal
(norma individual e concreta) um ‘fato gerador’, não fará sentido o
dispositivo do artigo 115 acima (Schoueri, 2019, 497).
Vimos que as chamadas obrigações acessórias não possuem ‘fato gerador’;
decorrem de prescrições legislativas imperativas: ‘emita notas fiscais’,
‘declare rendas e bens’, etc. A impropriedade redacional é sem par. Diz-se
o fato gerador da obrigação acessória é ‘qualquer situação’ que, na forma
da ‘legislação aplicável’, impõe a ‘prática ou abstenção de ato’. Outra
maneira de prescrever deveres de fazer e não fazer por força de lei, cabe
apenas reafirmar que a legislação a que se refere o artigo somente pode
ser coleção de leis em sentido formal e material (Coêlho, 1997, 268).
Data máxima vênia, os
entendimentos exposados acima não levam em consideração a premissa de
não ser possível a existência de um dever jurídico sem o seu
correspondente “fato gerador”. Direito e dever são lados opostos de uma
mesma moeda e decorrentes da incidência de determinada norma jurídica,
cuja ocorrência opera-se na concretização do evento previsto
hipoteticamente em seu antecedente. Assim, não é possível alegar a
existência de uma obrigação jurídica sem que haja a incidência de uma
norma e, consequentemente, sem a ocorrência de um fato im- ponível.
Assim, mesmo nos casos das obrigações negativas, é possível construir uma
hipótese de incidência para o surgimento de determinada obrigação acessória.
Sem a ocorrência do evento, a obrigação acessória abstratamente prevista não
pode ser exigível. E, uma vez satisfeita, não seria permitido ao sujeito
ativo reclamá-la nova- mente, tampouco constituir o crédito tributário
decorrente do seu inadimplemento.
No exemplo citado pelo eminente Caio
Takano, a hipótese de incidência da obrigação de sujeitar-se à
fiscalização do IRPJ poderia ser esquematizada da seguinte forma:
Tabela
1.
Critério
material
|
Pessoal
|
Espacial
|
Exercer
atividade contida na dimensão
|
Ser
pessoa jurídica
|
Estar
estabelecida no
|
positiva
da competência tributária federal
|
|
território
brasileiro
|
Fonte: Elaboração própria.
Favoráveis à tese da necessidade de
ocorrência de fatos geradores como ensejadores das obrigações acessórias,
estão as opiniões de Hugo de Brito Machado e Luciano Amaro, para os quais:
Mesmo, porém, que se ponha em causa o
dever de utilizar um certo formulário, descrito em ato de autoridade,
melhor seria dizer que a obrigação, em situações como essa, decorre da
lei, pois nesta é que está o fundamento com base no qual a autoridade
pode exigir tal ou qual formulário, cujo formato tenha ficado a sua
discrição. E, obviamente, também nessas situações, o nascimento do dever
de alguém cumprir tal obrigação instrumental surgirá, concretamente,
quando ocorrer o respectivo fato gerador (Amaro,
2006, 242).
Diferentemente do que ocorre com o fato
gerador da obrigação principal, seja essa consubstanciada no tributo ou
na penalidade pecuniária, o fato gerador da obrigação tributária
acessória não há de ser necessariamente um tipo fechado. Não se exige
que a legislação tributária descreva, em cada caso, a situação cuja
ocorrência faz nascer o dever de fazer, de não fazer ou de tolerar,
objeto da obrigação tributária acessória. Tal situação decorre de um ou
de vários dispositivos da legislação, pode ser uma situação específica
ou não, duradoura ou instantânea, sem que se encontra na norma
descritora da hipótese cuja concretização faz nascer a obrigação
acessória uma descrição precisa de todos os seus elementos, muitos dos
quais podem resultar implícitos ou determinados por intuição (Machado,
2003, 31).
No entanto, a instituição de obrigações acessórias deve respeitar limitações
de ordem espacial, pessoal, temporal e material. No primeiro caso, somente
poderão ser exigidas dentro dos limites territoriais do sujeito ativo. Para
que o ente tributante consiga obter informações de sujeito estabelecido fora
dos seus limites territoriais, será necessário utilizar o artigo 199 do CTN
(permuta de informações fiscais), in verbis:
Art. 199. A Fazenda Pública da União e as
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente
assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de
informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por
lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em
trata- dos, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados
estran- geiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.
Enfático na defesa de uma restrição à imposição de obrigações acessórias
rela- cionadas à sujeitos estabelecidos fora dos lindes espaciais do sujeito
ativo é o autor Caio Takano, para quem:
Se, em relação à
obrigação tributária, a territorialidade delimita a soberania fiscal de um
Estado, de modo a restringir seu poder de tributar a fatos que guardem um
elemento de conexão com o seu território (territorialidade mate- rial), no
tocante aos deveres instrumentais, estes somente poderão ser impostos
dentro de suas fronteiras, uma vez que o Estado não tem jurisdição fora
delas (territorialidade formal) e, portanto, não poderá exercer seu
império além de seus limites territoriais, sob pena de afrontar a
soberania de outro Estado (Takano, 2017, 152).
Quanto ao limite pessoal, o artigo 122 do
CTN dispõe que o sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa
obrigada às prestações que constituam o seu objeto. Desta forma, somente
devem suportá-las quem possua vínculo direto ou indireto com a obrigação
principal e que a informação requisitada seja relevante à arrecadação ou
fiscalização deste tributo.
Para o Superior Tribunal de Justiça, o
fato de determinado sujeito não ser cadastrado no ente tributante e,
portanto, não ser contribuinte do imposto objeto da verificação fiscal
caracteriza a inexistência do “interesse para a arrecadação”, cons- tante
do artigo 113, §2º, do CTN, mesmo que estabelecido dentro dos limites
territoriais do sujeito ativo. Este posicionamento pode ser constatado na
análise do Respn.º 539.084-SP, no qual fora negado ao Fisco Municipal de
São Paulo o direito de exigir a exibição de livros de empresa não
cadastrada, por entender que não era contribuinte do ISSQN, conforme
ementa abaixo:
Tributário. Imposto sobre serviços de
qualquer natureza - ISSQN. Empresa não contribuinte. Obrigatoriedade de
exibição dos livros comerciais. Ine- xistência. Art. 113, § 2º, do CTN.
- -
A discussão dos autos cinge-se à necessidade, ou não, de a empresa
recorri- da, pelo fato de não ser contribuinte do Imposto sobre Serviços
de Qualquer Natureza - ISSQN, ainda assim ser obrigada a exibir seus
livros fiscais ao Município de São Paulo.
- -
Restou incontroverso o fato de que a empresa Recorrida não recolhe ISSQN
aos cofres do Município de São Paulo.
- -
Nesse contexto, verifica-se que, mesmo que haja o Poder Estatal, ex vi le- gis, de impor o cumprimento de certas
obrigações acessórias, a Administração Tributária deve seguir o
parâmetro fixado no § 2º do art. 113 do CTN, isto é, a exigibilidade
dessas obrigações deve necessariamente decorrer do interesse na
arrecadação.
- -
In casu, não se verifica o aludido interesse, porquanto a própria
Municipalidade reconhece que a Recorrida não consta do Cadastro de
Contribuintes do ISSQN.
- -
Mesmo que o ordenamento jurídico tributário considere certo grau de
inde- pendência entre a obrigação principal e a acessória, notadamente
quanto ao cumprimento desta última, não há como se admitir o
funcionamento da máquina estatal, nos casos em que não há interesse
direto na arrecadação tributária.
- -
Se inexiste tributo a ser recolhido, não há motivo/interesse para se
impor uma obrigação acessória, exatamente porque não haverá prestação
posterior correspondente. Exatamente por isso, o legislador incluiu no
aludido § 2º do art. 113 do CTN a expressão “no interesse da
arrecadação”.
- -
Recurso Especial improvido(2).
(STJ - Resp: 539084 SP 2003/0086670-3,
Relator: Ministro Francisco Falcão, Data de Julgamento: 18/10/2005, T1 -
Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 19/12/2005 p. 214RDDT vol. 126 p.
181).
Data máxima vênia, não
obstante o ente municipal não poder criar obrigação tributária autônoma,
a exibição dos documentos está respaldada no artigo 195 do CTN. O
interesse relacionado à arrecadação ou fiscalização tributária, neste
caso, está caracterizado por eventual conflito de competência entre os
entes municipal (ISSQN) e estadual (ICMS). O vínculo indireto da empresa
com eventual obrigação tributária municipal é motivo suficiente para que
o ente que se sinta prejudicado possa exigir as informações econômico
fiscais de sujeito estabelecido dentro do seu território, mesmo que não
cadastrado em seu cadastro mobiliário. Como se trata de interesses
contrapostos entre os entes tributantes, a mútua colaboração disposta
pelo artigo 199 do CTN não é medida eficaz, posto ser contrária, neste
caso, aos interesses do Estado.
No que se refere ao limite temporal, Caio
Takano aponta para a necessidade de atendimento de duas coordenadas de
tempo, quais sejam: como primeiro limite, o período de vigência da lei que
instituiu o tributo vinculado à obrigação acessória; e, como segundo
limite, o prazo prescricional disposto pelo parágrafo único do artigo 195
do Código Tributário Nacional, apesar da sua duvidosa constitucionalidade,
tendo em vista ofender ao primado da segurança jurídica, posto as
hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição dificultarem ao
contribuinte estabelecer o termo ad quem para a
guarda dos documentos fiscais.
Por fim, o limite material está
relacionado à acepção e alcance semântico dado ao termo “no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Para Paulo de Barros
Carvalho, bastaria a geração de qualquer benefício à atividade exercida
pela Administração Tributária para que a instituição de obrigação
acessória estives- se justificada:
Logo, existe, sim, um
limite à liberdade e instituir liames impositivos de um fazer ou não
fazer. E esse limite está enunciado, de modo expresso, no art. 113, §2º,
do CTN, ao referir as prestações positivas e negativas como imposições
previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. Se
o dever instrumental não produz qualquer benefício para a Administração
Tributária, inexiste motivo que autorize a sua exigência (Carvalho, 2010,
59).
Caio Takano discorda, pois entende que nem
sempre os interesses da Administração Tributária coincidirão com os
interesses da arrecadação ou fiscalização tributária, tratando-se o
dispositivo “no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos”
de verdadeira garantia contra o arbítrio do Fisco, sendo um limite
intransponível à atuação das Administrações Tributárias. Sua tese não
merece qualquer re- paro. São suas as palavras abaixo:
Tal posição parace
confundir o interesse da Administração Tributária com o “interesse da
arrecadação ou da fiscalização de tributos” que, como se sustentou acima,
não são identicos. Aquele até pode compor o último em muitos casos,
todavia, nem sempre ambos convergirão. A mera constatação de um benefício
(facilitação do conhecimento ou controle do cumprimento de uma obrigação
tributária) não justifica a imposição de deveres instrumentais.
Entendimento contrário significaria consentir que quem dirá, ao final, se
a exigência de um dever instrumental é legítimo é a própria Administração
Tributária, e não a lei, bastando que ela simplesmente identifique naquela
imposição um benefício para si. Dentro dessa linha de pensamento,
constatando-se tal benefício, nem mesmo o próprio Poder Judiciário poderia
afastar aquela exigência, pois estaria em conformidade com o conteúdo
normativo (atribuído por essa corrente, diga-se) do art. 113, §2º, do CTN
(Takano, 2017, 178-179).
Neste sentido, as isenções e imunidades
não devem afastar o cumprimento das obrigações acessórias, pois é por meio
das informações prestadas pelos particulares que a fiscalização tributária
consegue assegurar a aplicação destas limitações ao poder de tributar.
Assim, constata-se que a atribuição para instituição de obrigações
acessórias está relacionada somente com as normas que delimitam
positivamente a competência tributária.
Indo além, Schoueri defende,
acertadamente, que somente se justifica a instituição de obrigações
acessórias quando for imprescindível para assegurar o cumprimento da
obrigação tributária principal ou para garantir a inexistência de tributo
exigível:
O que sustentamos, em
síntese, é que a chamada “obrigação acessória” não é algo sujeito ao juízo
de conveniência da administração: o CTN dispõe sobre seus limites, quando
se refere ao interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
Esse interesse, por sua vez, é algo que pode ser controlado, in- clusive
por meio do Poder Judiciário.
Assim, por exemplo, quando se constata que a Administração Pública impõe
ao particular que forneça informações de que a própria Administração já
dispõe (muitas vezes fornecidas pelo mesmo particular, em oportunidade
anterior), então fica patente a falta de interesse, que evidencia o
descabimento da exigência (Schoueri, 2019, 520).
Partindo das premissas expostas acima, a
Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo instituiu o
projeto Eliminação da GIA com o objetivo de eliminar a necessidade da
entrega mensal de duas declarações similares: a Guia de Informação e
Apuração do ICMS (GIA) e a Escrituração Fiscal Digital (EFD). Ao final,
somente esta última permanecerá obrigatória no Estado de São Paulo, posto
as informações prestadas na GIA serem um espelho daquelas constantes dos
Livros de Apuração da EFD, ou seja, não são imprescindíveis à
Administração Tributária, que já as contém.
Princípios constitucionais relacionados às
obrigações acessórias
- Praticabilidade
O princípio
jurídico da praticabilidade possibilita o adequado cumprimento das
normas tributárias, de maneira exequível e eficiente, por meio da
simplificação e padronização do sistema tributário. Hans Arndt
conceitua a praticabilidade como “el conjunto de medios y técnicas
utilisables con el objetivo de hacer simple y via- ble la ejecución de
las leyes” (Arndt, 2003, 75).
Para a autora Regina Helena Costa, o princípio em questão está
fundamentado em outro de maior abrangência, qual seja o princípio da
supremacia do interesse público sobre o particular:
Assim sendo, pensamos
seja o princípio da praticabilidade tributária desdo- bramento ou
derivação de princípio maior, considerado essencial ao direito
público: o princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular, também conhecido por princípio da finalidade pública ou
interesse coletivo (Costa, 2007, 93).
-
Misabel Derzi, por sua vez, fundamenta
o princípio da praticabilidade tributária no estado de necessidade
administrativo, caracterizado pela acentuada despro- porção entre a
incumbência legalmente atribuída à Administração Tributária para a
execução e fiscalização da aplicação das normas tributárias e a
capacidade e os meios disponíveis aos órgãos fazendários para prestar
o serviço (Derzi, 1988, 644).
Por este motivo, defende a utilização
de presunções ex lege na constituição das
obrigações tributárias, apesar de minimizar o problema com a
generalização dos “lançamentos” por declaração e por homologação pelas
Administrações Tributárias. Para esta autora, “a praticabilidade é um
princípio geral e difuso, que não encontra formulação escrita nem no
ordenamento jurídico alemão, nem no nacional. Mas está implícito, sem
dúvida, por detrás das normas constitucionais” (Derzi, 1988,639). Em
palestra sintetizada na Revista de Direito Tributário n.º 47, a autora
aprofunda seu posicionamento por meio das seguintes palavras:
Finalmente, um
outro princípio fundamental no direito constitucional é o da
praticabilidade. Onde está este princípio? Na Constituição. A
praticabilidade não está expressamente em nenhum artigo da
Constituição, mas está em todos, porque nada do que dissemos aqui
teria sentido se as leis não fossem viáveis, exeqüíveis, executáveis e
não fossem efetivamente concretizadas na realidade; portanto, a
praticabilidade tem uma profunda relação com a efetividade das normas
constitucionais. Praticabilidade é um nome amplo, genérico, e
significa apenas um nome para designar todos os meios, todas as
técnicas usadas pa- ra possibilitar a execução e a aplicação das leis.
Sem execução e sem aplicação, as leis não tem sentido; elas são feitas
para serem obedecidas. Por isso a praticabilidade é um princípio
constitucional básico, fundamental, em- bora implícito, deve ser lido
em todos os artigos onde a Constituição fala em legalidade (Derzi,
1989, 175-176).
A parcela (Costa, 2007, 97) da doutrina que classifica a
praticabilidade como princípio geral e difuso dentro do ordenamento
jurídico-constitucional brasileiro utiliza os seguintes argumentos:
- o
princípio possui elevado grau de generalidade e abstração,
irradiando seus efeitos sobre múltiplas normas; e
- contempla
valor considerado fundamental para a sociedade, qual seja, a
viabilização da adequada execução do ordenamento jurídico, no campo
tri- butário.
O jurista português José Casalta Nabais (Nabais, 1998, 624) também é
adepto da tese justificadora do plano constitucional do princípio da
praticabilidade, con- forme se depreende da leitura do trecho
abaixo:
[...] sempre que tais dificuldades sejam reais e importantes, há
justificação constitucional para lançar mão das técnicas de
simplificação, designadamente da tipificação, já que o legislador
está constrangido a generalizar ou estandar- dizar a fim de tornar a
disciplina jurídico-fiscal praticável, sendo-lhe, por con- seguinte,
permitido escolher, por razões de praticabilidade, bases
forfaitaires, em vez dum critério ancorado na realidade da situação
individual, satisfazen- do-se assim com uma justiça tipificada.
No
entanto, como princípio jurídico que é, deve ser ponderado à luz
de outros princípios constitucionais, mormente o da capacidade
contributiva, na caso dos impostos, e da retributividade, no caso
das taxas, os quais constituem-se como verdadeiros limitadores da
aplicação de presunções e ficções jurídicas no Direito Tributário.
Para Caio Takano (Takano, 2017), o princípio em questão representa
a forma de promover a igualdade geral entre contribuintes, por
meio da execução mais simples e viável da legislação, ainda que
minimize os efeitos dos princípios da igualdade e capacidade
contributiva. Aumenta o grau de cumprimento possível, criando
condições para que todos contribuam. Portanto, promove a igualdade
geral entre os contribuintes, desde que respeitados os seus
direitos fundamentais.
César García Novoa (Novoa, 2006, 319-343), no mesmo sentido,
entende a pra- ticabilidade administrativa como um conjunto de
meios e técnicas utilizáveis com o objetivo de fazer simples e
viável a execução das leis. A simplificação e a praticabilidade
redundam em benefício de uma efetiva aplicação do sistema
tributário que garante a generalidade da incidência da norma
tributária.
-
Eficiência
O princípio da
eficiência orienta as atividades realizadas pela Administração Pública
no sentido de alcançar sempre os melhores resultados, com o menor
custo possível e utilizando-se os meios que se encontram à sua
disposição.
Desta forma,
aplicando-se os efeitos de tal princípio sobre o Direito Tributário,
constata-se que as obrigações acessórias impostas aos contribuintes
não lhes devem ser excessivamente penosas, de modo a estimular o seu
cumprimento espontâneo e permitir uma melhor fiscalização.
Ives Gandra
Martins (Martins, 2006, 29-49)
defende que a eficiência é princípio jurídico do direito
administrativo, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 19/1998.
Contudo, crê que sempre foi um princípio implícito, decorrente do
princípio da moralidade pública. Classifica os aspectos do princípio
da eficiência em três espécies, a saber: (I) capacidade dispenditiva
do Estado, caracterizada pela correta utilização dos tributos
arrecadados; (II) justiça da tributação e geração de desenvolvimento
econômico e social, identificadas pela detecção da capacidade
contributiva e dos fomentos e estímulos para o progresso social; e
(III) combate à sonegação pa- ra a inibição da concorrência desleal.
No entanto, este
autor enumera os limites materiais que devem ser respeitados quando da
simplificação e praticabilidade do sistema, quais sejam os princípios
do não-confisco, da isonomia e da proporcionalidade. Critica a
“política de arrecadação” (eficiência arrecadatória) efetuada no país
ao invés de uma “política tributária” (eficiência tributária) para o
desenvolvimento nacional. Desta forma, defende que a eficiência deve
ser completa para ser válida: eficiência do Estado tanto na política
tributária impositiva como na dispenditiva.
De forma original, José Eduardo Soares de Melo (Melo,
2006, 136-156.) fundamenta o
princípio da eficiência no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/88: “a
todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do proces- so e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação”. Entende que é princípio implícito e dirigido a
todos os Poderes.
De outra banda, o
jurista Humberto Ávila (Ávila, 2005, 277-288) entende que a eficiência
administrativa não é princípio jurídico pois não estabelece objeto
algum de realização, mas modo de realização de outros objetos. É
metanorma ou norma de 2º grau. Calibra o exercício do poder tributário
e condiciona o grau de realização dos princípios tributários
atribuídos pela regra de competência. Desta forma, a eficiência
administrativa não justifica a criação de ficções/presunções, a menos
que seja utilizada para realizar de modo eficiente princípios contidos
nas regras de competências tributárias. James Alm (Alm, 1996) afirma
que o princípio da eficiência é a minimização da interferência da
tributação sobre as decisões econômicas.
-
Livre Iniciativa e Livre
Concorrência
O custo de conformidade decorrente da
instituição de obrigações acessórias não pode influenciar negativamente a
livre concorrência do mercado, tampouco ensejar a restrição de liberdades
constitucionalmente garantidas aos contribuintes, como a livre iniciativa
e a liberdade do exercício de profissão. Não pode o Estado criar meios que
privilegiem uns em detrimento de outros.
O artigo 170 da Constituição Federal dispõe que a ordem econômica brasileira
deve ter como fundamentação a valorização do trabalho humano e a livre
iniciativa, conforme os ditames da justiça social, e observados alguns
princípios, entre eles o da livre concorrência.
José Afonso da Silva define o substrato constitucional do princípio da livre
concorrência da seguinte forma:
A livre concorrência
está configurada no art. 170, IV, como um dos princípios da ordem
econômica. Ele é uma manifestação da liberdade de iniciativa e, para
garanti-la, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso de poder
econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência
e ao aumento arbitrário dos lucros. Os dois dispositivos se complementam
no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente,
proteger a livre concorrência contra a tendência açambarcadora da
concentração capitalista (Silva, 1998, 876).
Para Isabel Vaz, o princípio
constitucional da livre concorrência preconiza a equidade nas
oportunidades dispensadas aos agentes do mercado, impedindo a concentração
do poder econômico em um ou poucos privilegiados, de forma que seja
equilibrada a disputa entre os grandes e pequenos agentes econômicos:
Não se trata de uma
concorrência livre de qualquer condicionamento jurídico e cujos excessos
foram descritos sucintamente linhas atrás. Trata-se de uma concorrência
que o legislador pretende livrar de quaisquer práticas levadas a feito ou
intentadas pelos agentes econômicos e suscetíveis de constituir abuso da
liberdade de iniciativa, tal como consagrada na Carta Política.(...) Na
nova constituição brasileira não se busca apenas a repressão às formas
abusivas do poder econômico: pretende-se atingir um modelo eficiente de
concorrência, compatível com as “impurezas” e as “imperfeições” do
mercado, mediante a utilização, se necessário das regras jurídicas e das
instituições para aquele fim criadas. Tais regras e instituições devem ser
capazes de prevenir, apurar e reprimir quaisquer formas consideradas
abusivas do poder econômico e podem ser classificadas como instrumentos de
preservação do princípio da livre concorrência. No con- texto das normas
constitucionais onde se insere, a livre concorrência funciona também como
uma das diretrizes que se impõe a todos quantos se dedicam ao exercício
das atividades econômicas, ao lado da “defesa do consumidor”, da “função
social da propriedade” e da “defesa do meio ambiente (Vaz, 1993, 100).
Quanto ao princípio da livre iniciativa, esclarecem Pereira e Carneiro que:
O princípio da livre iniciativa pode
perfeitamente ser compreendido em conformidade com o direito à liberdade,
previsto no artigo 5º da Constituição Federal, na medida em que permite ao
empresário ingressar no mercado para exercer atividade econômica,
considerando ainda a permanência do mesmo (Pereira e Carneiro, 2020).
A doutrina de Marlon Tomazette ressalta que a Constituição Federal alçou o
princípio da livre iniciativa aos fundamentos da República Federativa do
Brasil, in verbis:
Um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil é a livre iniciativa (art. 1º, IV, da
Constituição Federal), pelo qual deve-se garantir aos indivíduos o acesso
às atividades e o seu exercício. Tal princípio tem uma função social, ele
não é absoluto e deve compatibilizar com outros princípios
constitucionais, sobretudo os princípios da função social da propriedade e
da livre concorrência. Assim, o princípio da livre iniciativa não
representa uma liberdade econômica absoluta; o Estado pode limitar a
liberdade empresarial, respeitan- do os princípios da legalidade,
igualdade e proporcionalidade, ponderando os valores da livre iniciativa e
da livre concorrência (Tomazette, 2013, 629).
Assim, os princípios da livre iniciativa e
da livre concorrência são verdadeiros limites à criação de obrigações
acessórias desproporcionais ao interesse da arrecadação ou fiscalização
tributária, ou seja, os atos impositivos (soberanos) do Estado devem ser
imparciais diante dos concorrentes. A exarcebação, tanto no volume quanto
na complexidade, de prestações impostas ao sujeito passivo enseja evidente
desrespeito ao princípio da neutralidade fiscal do Estado.
No entanto, a sua instituição no interesse da fiscalização tributária tem
como fi- nalidade coibir a evasão fiscal, sendo, portanto, um efetivo e
importante instrumento em favor da livre concorrência, enquanto condição da
livre iniciativa, já que a evasão fiscal é uma prática efetivamente
anticoncorrencial.
Por outro lado, a simplificação do sistema tributário também favorece a
livre concorrência, pois permite o cumprimento das obrigações tributárias
por todos. Tércio Sampaio defende que a imposição de obrigações acessórias
deve atender ao princípio da neutralidade estatal, em face desta
concorrência:
Ora, por fim e em
conclusão, é que se tem de admitir, nesse quadro, que a imposição de
obrigações tributárias acessórias, para ser enquadrada como medida
abstrata e, em termos de neutralidade concorrencial, como legítima, deve
ter uma repercussão equânime entre os concorrentes, podendo constituir,
para uns, um ônus maior, mas resultante de sua capacidade competitiva de
fato. Ou, mesmo que ela traga um fator discriminante, esse fator deve
encontrar na própria situação do mercado atingido sua razão de ser (por
exemplo, obrigação genérica para todo um grupo, mas não para todos os
grupos econômicos, ou, mesmo dentro de um grupo, obrigação para todos os
agentes, mas isenção para alguns, incapacitados de assumir o ônus (Junior,
2005, 715-735).
Como exemplo, pode-se citar a Lei Complementar n.º 1.320, de 06 de abril de
2018, que instituiu, no Estado de São Paulo, o Programa de Estímulo à
Conformidade Tributária – Nos Conformes que, dentre outras finalidades,
estabelece a análise de riscos como forma de classificação dos contribuintes
paulistas.
A pirâmide de risco conta com 6 classes,
entre A+ e E, que indicam a classificação dos contribuintes do ICMS em
ordem decrescente de conformidade, levando- se em conta todos os seus
estabelecimentos em conjunto. Desta forma, permite-se que a Administração
Tributária consiga oferecer o tratamento fiscal adequado a cada perfil de
contribuinte.
Os critérios previstos para a classificação estão contidos no artigo 5º da
LC1.320 /18,
in verbis:
-
Artigo
5º - Para implementação do Programa “Nos Conformes”, com base nos
princípios, diretrizes e ações previstos nesta lei complementar, os
contribuin- tes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de
Mercadorias e so- bre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS serão
classificados de ofício, pela Secretaria da Fazen- da, nas
categorias “A+”, “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “NC” (Não Classificado),
sendo esta classificação competência privativa e indelegável dos
Agentes Fis- cais de Rendas, com base nos seguintes critérios:
- -
obrigações pecuniárias tributárias vencidas e não pagas relativas
ao ICMS;
- -
aderência entre escrituração ou declaração e os documentos fiscais
emiti- dos ou recebidos pelo contribuinte; e
- -
perfil dos fornecedores do contribuinte, conforme enquadramento
nas mesmas categorias e pelos mesmos critérios de classificação
previstos nesta lei complementar.
§ 1º - Para cada critério, os contribuintes
serão classificados nas categorias previstas no “caput” deste artigo, em
ordem decrescente de conformidade, considerados todos os seus
estabelecimentos em conjunto, observadas a forma e as condições
estabelecidas em regulamento.
Ou seja, para a classificação dos
contribuintes paulistas nas classes de E até A+, estão previstos os
critérios de adimplemento das obrigações acessórias e principais, além da
classificação dos fornecedores. Neste último critério, utilizou-se uma
análise sistêmica do risco envolvido em toda a cadeia de consumo, de forma
que a classificação de determinado contribuinte reverbera sobre a
classificação do seu cliente, conforme se depreende da leitura do artigo
9º:
Artigo 9º - A classificação pelo critério de
perfil de fornecedores do contribuinte considerará o percentual de
entradas de mercadorias e serviços tributados pelo ICMS, nos
estabelecimentos do contribuinte, provenientes de fornecedores
classificados nas categorias “A+”, “A”, “B”, “C” e “D”.
§ 1º - Será classificado na categoria “A+” o contribuinte com no mínimo 70
% (setenta por cento) do valor total de suas entradas provenientes de
fornecedores classificados nas categorias “A+” ou “A”, e no máximo 5 %
(cinco por cento) na categoria “D”.
§ 2º - Será classificado na categoria “D” o
contribuinte com menos de 40 % (quarenta por cento) do valor total de suas
entradas provenientes de fornecedores classificados nas categorias “A+”,
“A” ou “B”, ou mais de 30 % (trinta por cento) na categoria “D”.
§ 3º - A classificação nas demais categorias
ocorrerá no intervalo entre as categorias “A+” e “D”.
§ 4º - O fornecedor
enquadrado na categoria “NC” (Não Classificado) não será considerado para
efeito da classificação prevista no “caput” deste artigo, salvo se houver
concentração relevante de fornecedores nessa categoria em relação ao mesmo
contribuinte, na forma e condições estabelecidas em regulamento.
Neste ponto, constatou-se que o critério
da classificação dos fornecedores poderia ofender o princípio da livre
concorrência, além de resvalar no limite espacial da imposição de
obrigações acessórias, já que os contribuintes paulistas que adquirissem
grande quantidade de mercadorias provenientes de operações interestaduais
poderiam ser prejudicados, na medida em que os fornecedores situados nas
outras unidades federadas não estariam classificados (categoria NC).
A previsão constante do artigo 10, que prevê a imposição do dever de
transmissão das informações econômico-fiscais a contribuintes estabelecidos
fora das divisas do Estado de São Paulo, também esbarra no limite espacial
da imposição de obrigações acessórias, além de criar espécie de sanção
política para aqueles que não aderirem ao procedimento paulista:
Artigo 10 - A
Secretaria da Fazenda poderá estabelecer procedimento próprio para
cadastramento de contribuintes do ICMS estabelecidos em outras unidades
federadas que forneçam mercadorias e serviços a contribuintes estabeleci-
dos no Estado de São Paulo, para transmissão eletrônica de informações
fiscais.
§ 1º - A transmissão de informações será providenciada diretamente pelo
próprio fornecedor ou por meio de convênio celebrado entre a Secretaria da
Fazenda e o órgão responsável pela administração tributária da unidade
federada de origem.
§ 2º - As informações transmitidas serão utilizadas exclusivamente para a
classificação do fornecedor em uma das categorias referidas no artigo 5º.
§ 3º - No caso de falta de transmissão de informações do fornecedor, será
ado- tada automaticamente a classificação na categoria “D”.
Portanto, na medida em que a legislação
tributária passa a influenciar as decisões comerciais dos agentes
privados, ofendendo os primados constitucionais da livre iniciativa e da
livre concorrência, distancia-se da neutralidade fiscal desejada e cria
obrigações desproporcionais ao interesse da arrecadação ou fiscalização
tributária.
Corroborando o explanado até o momento,
faz-se mister a citação do artigo 2º do Decreto n.º 64.453, de 06 de
setembro de 2019, que regulamenta a classificação dos contribuintes dentro
do Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – Nos Conformes:
Art. 2º Os contribuintes enquadrados no Regime Periódico de Apuração (RPA)
serão classificados de ofício, pela Secretaria da Fazenda e Planejamento,
nas categorias “A+”, “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “NC” (Não Classificado) com
base nos seguintes critérios:
- -
obrigações pecuniárias tributárias vencidas e não pagas relativas ao
ICMS; e
- -
aderência entre escrituração ou declarações e os documentos fiscais
emiti- dos pelo contribuinte ou a ele destinados.
Desta forma, reconheceu-se que o critério
de classificação dos fornecedores poderia ensejar uma interferência no
mercado consumidor paulista, de forma a privilegiar as operações internas
em detrimento das interestaduais. Por este motivo, o Decreto n.º 64.453/19
previu apenas o adimplemento das obrigações acessórias e principais como
critérios a serem utilizados na classificação dos contribuintes paulistas.
O novo paradigma das administrações
tributárias
As Administrações Tributárias, em um
passado não muito distante, baseavam suas atividades em um paradigma
coercitivo, de repreensão àqueles que não obser- vassem as obrigações que
lhes eram impostas. O objeto primordial era garantir o cumprimento da
legislação tributária e maximizar a arrecadação. Assim, pensava-se que a
razão fundamental que conduzia os particulares a cumprirem com suas
obrigações tributárias era o receio de sofrerem as medidas punitivas
derivadas do Poder de Império do Estado (Allingham e Sandmo, 1972,
323-338).
O modelo tradicional de evasão fiscal era
fundamentado, principalmente, na economia do crime e na maximização dos
interesses particulares, cuja decisão pela inobservância da legislação
tributária era tratada como um juízo racional baseado na poderação entre
as probabilidades de a evasão ser bem sucedida e as medidas punitivas
previstas para o ilícito detectado.
Sob este pensamento, todos os
investimentos das Administrações Tributárias eram voltados para a melhoria
dos instrumentos de persecução fiscal, uma vez que se acreditava que o
aumento do enforcement fiscal ocasionaria o
aumento proporcional da conformidade tributária (Muehlbacher, Kirchler e
Schwarzenberger, 2011, 89–97).
No entanto, constatou-se que o aumento da
repreensão fiscal e a aplicação de punições muito severas contribuiam para
a corrupção estatal e para a desmoralização das instituições públicas, ao
invés de aumentar a arrecadação tributária.
Atualmente, o tema da moral tributária e
da conformidade fiscal têm recebido grande destaque e exercido muita
influência sobre os estudos do novo papel exercido pelas Administrações
Tributárias modernas. Sob este novo prisma, as Administrações Tributárias
mais eficientes tendem a, cada vez mais, pautar suas ações sobre relações
de confiança e transparência com os contribuintes, nas quais o cumprimento
voluntário das obrigações tributários é incentivado.
O pesquisador James Alm (Alm, 2007),
através de investigações empíricas, comprova que a conformidade tributária
não pode ser explicada, somente, por fato- res econômicos, pois
identificou elevados índices de cumprimento das normas tri- butárias em
países que utilizam poucos instrumentos de coerção estatal. Estas mesmas
pesquisas demonstraram que há um grande número de contribuintes que
cumprem com suas obrigações tributárias independentemente da análise
financeira decorrente do binômio de detecção e castigo.
Diante desses resultados, Alm (Alm
e Togler, 2004) entende haver uma moral tributária que influenciaria os
sujeitos passivos nas suas decisões de cumprir volun- tariamente, ou não,
com as obrigações impostas pelas normas tributárias. Para o autor, o
comportamento dos contribuintes seria mais fortemente influenciado por
valores sociais, tais como como o de justiça, confiança e reciprocidade.
Apesar dos estudos no Brasil a respeito da
moral tributária serem ainda incipientes, o jurista Klaus Tipke (Tipke,
2002, 21) já muito avançou sobre o tema. Se- gundo ele, a moral tributária
dos contribuintes pode ser elevada em decorrência dos seguintes fatores:
- a
melhora do ambiente que envolve o adimplemento das obrigações tri-
butárias, ou seja, a simplificação do sistema tributário e a facilidade
para o cumprimento das obrigações tributárias;
- a
percepção de que a receita arrecadada pelos tributos está sendo bem em-
pregada e distribuída de forma representativa e equânime;
- a
compreensão da existência de uma elevada moral tributária na Admi-
nistração Tributária;
- a
constatação de um comportamento ético por parte das autoridades tri-
butárias;
- a
sensação de justiça fiscal, garantida mediante a igualdade perante a
lei, que no Direito Tributário seria a repartição igualitária da carga
tributária e o respeito ao princípio da capacidade contributiva;
- a
existência de leis justas, fundamentadas em um conjunto de valores,
princípios e regras constitucionais
Desta forma, o modelo de atuação das
Administrações Tributárias deve considerar, também, os fatores não
econômicos que influênciam o comportamento dos contribuintes e,
consequentemente, elevam a confomidade tributária.
Não obstante os recursos coercitivos
disponíveis ao Fisco serem importantes instrumentos para o combate da
evasão fiscal, sua utilização não deve ser desmesurada, sob o risco de o
Estado incidir no que Acemoglu (Acemoglu, Johnson e Ro- binson, 2001)
chamou de extrativismo fiscal: quando a sociedade e a economia são
submetidas a um ciclo vicioso e autista no qual a força da lei é utilizada
como único instrumento de arrecadação de tributos. Neste sistema, não se
paga tributo para exercer o direito sobre a prestação de serviços
públicos, mas sim porque a Constituição autoriza, a lei prescreve e o Auto
de Infração determina.
O pesquisador Richar Bird (Bird, 2010) expõe que nem todos os problemas
enfrentados pelas Administrações Tributárias podem ser resolvidos pelo
poder coercitivo estatal. Por meio dos seus estudos, demonstra que há
muitas vantagens quando se deixa o paradigma do crime, no qual o
contribuinte é visto sempre como um potencial defraudador da norma
tributária, e passa-se a utilizar o paradigma do serviço, no qual o
contribuinte é visto, a princípio, como um cliente dos serviços prestados
pelas Administração Tributárias.
A criação de uma relação mais cooperativa e menos coercitiva, calcada na
confiança mútua e no respeito à capacidade contributiva dos sujeitos
passivos, como mola propulsora da moral tributária, passa a ser a missão
das Administrações Tributárias eficientes. Parte-se do pressuposto de que
o cumprimento voluntário das obrigações tributárias pode ser elevado
quando a função arrecadatória do Estado é exercida de forma mais
cooperativa, eficiente, simples e transparente.
Assim, o Estado deve sempre buscar criar um ambiente de negócios que
favoreça a criação e o fortalecimento de novas empresas. Para isso, a
simplificação e praticabilidade do sistema tributário, com a diminuição da
quantidade e da complexidade das obrigações acessórias, é medida que se
impõe para a elevação do cumprimento das obrigações tributárias pelos
contribuintes.
Para
tanto, estas novas demandas exigem uma atuação administrativa mais vol-
tada para a análise dos riscos, de forma que os contribuintes possam ser
segmenta- dos em classes distintas, de acordo com o comportamento
demonstrado ao Fisco, de forma que as ações perpetradas pelas
Administrações Tributárias, sejam elas coercitivas ou cooperativas,
ostentem maior respeito às características individuais de cada
contribuinte.
Além
do constante aperfeiçoamento da legislação tributária e da tentativa
conti- nuada de redução dos custos de conformidade, as Administrações
Tributárias também devem fazer uso intensivo da tecnologia de informação,
como meio para simplificar as obrigações tributárias, reduzir o custo para
o cumprimento dessas obrigações e obter dados mais precisos sobre a
análise do comportamento dos con- tribuintes. Essa análise permitirá a
adequação das ações do fisco às necessidades ou comportamento dos
contribuintes, permitindo, inclusive, ações preventivas.
As normas tributárias paulistas e a
concretização dos princípios constitucionais tributários
O grande dilema das Administrações
Tributárias, na atualidade, é adequar as atividades exercidas com o novo
paradigma de relacionamento exigido entre o Fisco e os sujeitos passivos.
No entanto, para a concretização deste desiderato, os princípios
constitucionais relacionados com atividade de arrecadação e fiscalização
tributária devem ser compatibilizados, a fim de que todos os valores
almejados pelo constituinte sejam respeitados, na medida do possível.
Enquanto que um sistema tributário justo
demanda análise das caracterísiticas individuais de cada contribuinte para
a identificação de sua capacidade contributiva, a excessiva quantidade de
obrigações acessórias instituídas para este fim pode desencadear a
complexidade demasiada do sistema e gerar altos custos de conformidade,
ocasionado ofensa à isonomia tributária e à eficiência arrecadatória.
De acordo com o Cedric Sandford (Sandford, 1995) o custo de conformidade
pode ser classificado em quatro espécies:
- a
extinção da obrigação tributária;
- os
custos de conformidade à tributação (custos contábeis internos e
externos, incluindo o tempo e dinheiro gastos para cumprir com as
obrigações tributárias, como a contratação de contadores, aquisição de
softwares, conservação de documentos, treinamentos e capacitação para
atualização em matéria tributária e outros);
- os
custos administrativos, ou o orçamento da Administração Tributária, que
é financiado por toda a sociedade; e
- os
custos econômicos (basicamente, a distorção do mercado).
Uma Administração Tributária eficiente procura transparentar e reduzir os
custos administrativos e de conformidade à tributação (impostos sobre os
contribuintes) ao determinar suas linhas de atuação. Os custos de
conformidade são, em geral, superiores ao custo administrativo, mas nem
sempre isso é claro para a sociedade.
A minimização dos custos de cumprimento
também é fator relevante para a redução da brecha fiscal. Um sistema
complexo e caro para ser adimplido gera estímulo ao descumprimento. O
custo de cumprimento da norma tributária representa recursos que deveriam
ser atribuídos à atividade produtiva, mas são deslocados para financiar um
complexo e ineficiente sistema tributário.
O conflito gerado na aplicação dos princípios jurídicos contrapostos deve
ser solucionado pela ponderação dos direitos fundamentais envolvidos, sejam
eles individuais (capacidade contributiva, isonomia) ou coletivos (dever
fundamental de pagar tributos, justiça tributária),
com vistas a otimizar o sistema tributário como um todo.
No Estado de São Paulo, foram editadas diversas alterações normativas com a
finalidade de direcionar as atividades arrecadatórias e fiscalizatórias ao
novo padrão de Administração Tributária. Na esteria destas mudanças, foi
introduzido, em 22 de dezembro de 2009, o artigo 72 na Lei 6.374/89, cujo §
2º dispõe:
Artigo 72 - A
administração tributária tem por atribuição fazer cumprir a legislação
relativa aos tributos de competência estadual, devendo adotar, na sua
consecução, procedimentos que estimulem o atendimento voluntário da
obrigação legal, reduzam a inadimplência e reprimam a sonegação, tais como
a educação fiscal, a orientação de contribuintes, a divulgação da
legislação tributária, a fiscalização e a aplicação de penalidades. [...]
§ 2º - Em observância aos princípios da eficiência administrativa e da
razoabilidade, o Auto de Infração e Imposição de Multas pode deixar de ser
lavrado nos termos de disciplina estabelecida pela Secretaria da Fazenda.
Sob o fundamento de validade acima e tendo em vista os princípios da
eficiên- cia administrativa e da razoabilidade, previstos no artigo 111 da
Constituição do Estado de São Paulo, foi editada, em 07 de novembro de 2014,
a Portaria CAT 115, a qual, em seu artigo 10, dispõe sobre as hipóteses em
que o AIIM poderá deixar de ser lavrado pela autoridade tributária. Eis os
seus termos:
Art. 10. Mediante análise e decisão da
Comissão de Controle de Qualidade e em obediência aos princípios da
eficiência administrativa e razoabilidade, o AIIM poderá deixar de ser
lavrado quando, cumulativamente:
I - a infração não implicar falta ou atraso
no recolhimento do imposto; II - não existirem indícios de dolo, fraude ou
simulação;
- -
ficar constatado que a infração não trouxe prejuízos à fiscalização,
assim entendida qualquer ação ou omissão que:
-
implique embaraço, atraso ou
dificuldade à ação fiscal, inclusive o descum- primento a
notificação fiscal específica;
-
prejudique o controle fiscal
sobre as operações ou prestações;
-
prejudique a utilização das
informações dos bancos de dados da Secretaria da Fazenda;
-
- o contribuinte não for
reincidente, assim considerado aquele que, em re- lação a qualquer dos
seus estabelecimentos, nos últimos cinco anos, não tiver sido autuado
pela prática da mesma infração ou notificado nos termos do item 2 do §
4º;
-
- o contribuinte não possuir
débitos, inscritos ou não em dívida ativa, ou, caso possua, estiverem
com exigibilidade suspensa, observado o disposto no item 2 do § 2º.
§
1º Sempre que presentes os pressupostos de não lavratura do AIIM, inde-
pendentemente do valor do crédito tributário, a proposta será submetida à
res- pectiva Comissão de Controle de Qualidade.
§
2º A Comissão de Controle de Qualidade:
-
- verificará o atendimento do
disposto nos incisos I a V do "caput";
-
- em relação ao inciso V,
determinará a notificação do contribuinte para, no prazo de 10 (dez)
dias, regularizar ou garantir seus débitos, salvo se houver risco de
decadência do crédito tributário.
[...]
§
4º Caso a Comissão de Controle de Qualidade decida pela não lavratura, o
contribuinte infrator deverá ser notificado, preferencialmente via
Domicílio Eletrônico do Contribuinte - DEC:
-
- a adotar as providências
necessárias à regularização pretérita da infração, caso seja possível
e indispensável, em prazo compatível, sob pena de lavratura do AIIM;
-
- ao cumprimento, a partir da
data da cientificação, das obrigações tributá- rias pertinentes em
conformidade com a legislação, sob pena de impedimento de nova
aplicação do disposto neste artigo.
Neste contexto, os ideais de justiça
tributária e de colaboração no cumprimento da legislação tributária,
inseridos pelo artigo 72 da Lei n.º 6.374/89 e pelo artigo 10 da Portaria
CAT 115/14, vão ao encontro do novo paradigma de serviço assumido pelas
Administrações Tributárias modernas. Desta forma, compete ao gestor
público facilitar o cumprimento das obrigações acessórias e colaborar com
aqueles contribuintes que tenham descumprido algum dever normativo, mas
que não o tenham feito com propósitos suspeitos, tampouco tenham
ocasionado qualquer desfalque ao erário.
A alternativa prevista pelo § 4º do artigo
10 da Portaria CAT 115/14, que se consustancia na possibilidade de efetuar
uma notificação prévia ao infrator para que sejam oportunizadas as
providências necessárias à regularização da infração detec- tada, ao
reverso de ser aplicado o competente AIIM, exerce enorme influência sobre
a moral tributária dos contribuintes e, consequentemente, sobre a
conformidade tributária, além de contribuir para um ambiente mais
transparente e eficiente. Favorece, também, o surgimento de uma nova
cultura organizacional, pautada sobretudo na confiança mútua entre as
partes. Seu fundamento de validade é o artigo 88, § 4º, da Lei n.º
6.374/89, in verbis:
§ 4º - A critério da Secretaria da Fazenda,
o contribuinte poderá ser comunica- do sobre divergências ou
inconsistências identificadas entre as informações por ele prestadas ao
fisco no exercício regular de sua atividade, hipótese em que ficará a
salvo das penalidades previstas no artigo 85 desta lei, desde que sane a
irregularidade no prazo indicado na comunicação.
Neste cenário, a Administração Tributária
paulista passa a analisar o sujeito passivo de forma mais individualizada,
com o objetivo de melhor analisar seus atributos, bem como as repercussões
que sua prática antijurídica causou na arrecadação paulista e no controle
da fiscalização tributária, de forma que o contribuinte deixa de ser
tratado aprioristicamente como um infrator, passando a ser considerado, em
princípio, como um cliente dos serviços prestados pela Administração
Tributária de SP.
Sobre este novo enfoque, a Administração
Tributária paulista passa a adotar uma postura mais facilitadora e
cooperativa com o sujeito passivo, constituída por uma relação menos
coercitiva, com maior respeito às suas capacidades contributivas e às suas
necessidades, desde que atendidos os pressupostos da Portaria CAT 115/14,
na qual a aplicação de penalidades passa a ser medida excepcional, a
depender dos efetivos danos causados pela conduta ilícita, que deverá,
agora, estar sempre balizada pelos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade.
Além desta hipótese normativa, que
permite a não constituição do crédito tri- butário quando atendidas certas
condições, consta também da legislação paulista a previsão constante do
artigo 92 da Lei 6.374/89, a qual permite que as multas punitivas já
constituídas possam ser reduzidas ou relevadas pelos órgãos julgadores,
desde que correlacionadas ao descumprimento de obrigação acessória,
somente, e desvinculadas dos defeitos jurídicos de dolo fraude ou
simulação, in verbis:
Artigo 92 - Salvo
disposição em contrário, as multas aplicadas nos termos do artigo 85 podem
ser reduzidas ou relevadas pelos órgãos julgadores adminis- trativos,
desde que as infrações tenham sido praticadas sem dolo, fraude ou si-
mulação e não impliquem falta de pagamento do imposto.
[...]
§ 3º -
Para efeitos deste artigo, serão, também, examinados o porte econômico e
os antecedentes fiscais do contribuinte.
Assim como a Portaria CAT 115/14, o §3º do
artigo 92 também determina que as características pessoais do contribuinte
sejam levadas em consideração para a incidência da norma. Sobreleva, desta
maneira, os ideiais de justiça e isonomia na aplicação da lei tributária,
sempre com vistas à identificação cas capacidades contributivas dos
sujeitos passivos.
Na contínua busca de facilitar o cumprimento das obrigações tributárias
pelos contribuintes paulistas e atender ao princípio da praticabilidade
tributária, foi editada, em 06 de abril de 2018, a já famigerada Lei
Complementar n.º 1.320, a qual intituiu o Programa de Estímulo à
Conformidade Tributária – “Nos Conformes”. Nele, foram estabelecidas regras
de conformidade tributária e definidas novas for- mas de relacionamento
entre Fisco e administrados.
Sua edição está fundamentada em diversos princípios, tais como o da
praticabilidade, eficiência e livre concorrência, bem como está em
consonância com a nova postura exigida das Administrações Tributárias, que
agora devem incentivar o cum- primento espontâneo das obrigações tributárias
por meio da elevação da moral tributária dos contribuintes.
Para este fim, estão previstas diversas diretrizes no sentido de reduzir os
custos de conformidade, simplificar o sistema tributário paulista e as
obrigações acessó- rias, bem como simplificar as formas de apuração e
adimplemento do imposto por meio da utilização de tecnologias da informação:
Artigo 1º - Esta lei complementar cria
condições para a construção contínua e crescente de um ambiente de
confiança recíproca entre os contribuintes e a Administração Tributária,
mediante a implementação de medidas concretas inspiradas nos seguintes
princípios:
I - simplificação do sistema tributário
estadual;
[...]
V - concorrência leal entre os agentes
econômicos.
Parágrafo
único - Os princípios estabelecidos no “caput” deste artigo deverão
orientar todas as políticas, as ações e os programas que venham a ser
adotados pela Administração Tributária.
Artigo 2º - Para implementar os princípios estabelecidos no artigo 1º
desta lei complementar, fica instituído, no âmbito da Secretaria da
Fazenda, o Progra- ma de Estímulo à Conformidade Tributária - “Nos
Conformes”, compreen- dendo as seguintes diretrizes e ações:
I - facilitar e incentivar a
autorregularização e a conformidade fiscal; II - reduzir os custos de
conformidade para os contribuintes;
-
- aperfeiçoar a comunicação entre os contribuintes e a Administração
Tributária;
-
- simplificar a legislação tributária e melhorar a qualidade da
tributação promovendo, entre outras ações:
[...]
Artigo 4º - O
contribuinte poderá ser convidado a participar de ações e proje- tos
desenvolvidos pela Secretaria da Fazenda, em conjunto com instituições de
ensino ou centros de pesquisa públicos ou privados, na forma estabelecida
em regulamento.
§ 1º - As iniciativas abrangidas pelo
disposto no “caput” deste artigo terão por escopo precípuo a solução de
problemas relativos à tributação, notadamente:
- -
a simplificação de obrigações acessórias;
-
- a simplificação das formas de apuração e pagamento de tributos;
-
- a implementação de medidas de estímulo à conformidade tributária, com
o uso de inovações tecnológicas;
[...]
Outra inovação da
Lei foi a previsão das hipótese de autorregularização dispensadas aos
contribuintes que ostentarem baixos riscos de desconformidade fiscal.
A partir da Análise Informatizada de Dados – AID, consistente no
cruzamento eletrônico de informações fiscais realizado pela
Administração Tributária, o contribuinteterá a oportunidade de
autoregularizar-se antes de qualquer procedimento de fiscalização.
Além disso, está prevista a Análise Fiscal Prévia – AFP, que consiste
na análise da escrita fiscal dos contribuintes com vistas à
identificação e comunicação de eventuais desconformidades tributárias,
oportunidade na qual o contribuinte po- derá saneá-las sem a aplicação
das penalidades punitivas:
Artigo
14 - A Secretaria da Fazenda incentivará os contribuintes do ICMS a se
autorregularizarem por meio dos seguintes procedimentos, sem prejuízo
de outras formas previstas na legislação:
-
- Análise Informatizada de
Dados - AID, consistente no cruzamento eletrôni- co de informações
fiscais realizado pela Administração Tributária;
-
- Análise Fiscal Prévia -
AFP, consistente na realização de trabalhos analíti- cos ou de
campo por Agente Fiscal de Rendas, sem objetivo de lavratura de
auto de infração e imposição de multa.
§ 1º - A critério da Secretaria da Fazenda,
o contribuinte poderá ser notificado sobre a constatação de indício de
irregularidade, hipótese em que ficará a sal- vo das penalidades previstas
no artigo 85 da Lei n.º 6.374, de 1º de março de 1989, desde que sane a
irregularidade no prazo indicado na notificação.
[...]
§ 7º - Os
contribuintes classificados nos grupos “A+” e “A” poderão pleitear a
Análise Fiscal Prévia, cabendo ao regulamento definir condições, alcance e
prazos para a realização dos trabalhos.
Institui, também, a análise de riscos
como forma de classificação dos contribuintes paulistas de acordo com seus
comportamentos tributários, propiciando um papel mais estratégico e com
maior agregação de valor à Administração Tributária paulista. Com isso,
busca-se a redução da assimetria de informações existentes no mercado, que
só favorecem a concorrência desleal de quem não cumpre suas obri- gações
tributárias contra aqueles que integralmente as cumprem.
Conforme já explicitado no subitem 4.3, o intuito da Lei é estratificar, em
or- dem decrescente de conformidade, os contribuintes paulistas em uma
pirâmide de risco, cujas classes vão da A+ até a E, de forma que possam ser
oferecidos os trata- mentos tributários adequados às diferentes categorias
de contribuintes.
De acordo com a classificação atribuída, o contribuinte fará jus a diversas
con- trapartidas previstas na Lei Complementar, sempre com o intuito de
fomentar a au- torregularização tributária e atrair a descida dos sujeitos
passivos para a base piramidal, por meio de uma grande pressão exercida
sobre o seu topo, hipótese na qual a Administração Tributária estará
autorizada a utilizar toda a força da lei para coibir as práticas
indesejadas.
Conclusão
Constata-se que as recentes alterações das
normas que regem o sistema tributário do Estado de São Paulo estão em
perfeita harmonia com os novos padrões de relacionamento entre Fisco e
contribuintes, nos quais se prioriza uma conduta mais colaborativa e menos
coercitiva. O objetivo principal passa a ser o aumento do índice de
cumprimento espontâneo das obrigações tributárias por meio da elevação da
moral tributária dos contribuintes.
Além disso, depreende-se a existência de
um equilíbrio entre a identificação das capacidades contributivas dos
sujeitos passivos e a praticabilidade desejada das obrigações acessórias.
Por meio da instituição da análise de riscos, a Administração Tributária
paulista passará a conseguir identificar as características individuais
dos particulares e, com isso, aplicar a legislação tributária de forma
mais adequada e proporcional ao caso em concreto.
O uso intensivo das tecnologias de informação permitirá à Administração
Tributária paulista simplificar e, por que não, extinguir diversas
obrigações acessórias, sem qualquer prejuízo à atividade arrecadatória ou
fiscalizatória.
As normas constitucionais e, mais ainda,
as infralegais, devem respeito aos ideais de justiça e moral cristalizados
pelos valores preestabelecidos pela sociedade, devendo ser interpretadas
levando em conta a máxima normatividade extraída dos princípios da
capacidade contributiva, praticabilidade, eficiência e livre concorrência.
Desta forma, conclui-se que andou bem o
legislador paulista ao prever uma relação tributária mais
assistencialista, transparente e respeitosa às capacidades contributivas
dos sujeitos passivos, cujas atividades de arrecadação e fiscalização
passam a ser realizadas de forma mais eficiente e direcionadas às reais
necessidades dos contribuintes, buscando-se transparentar as relações
jurídico-tributárias e reduzir os custos de conformidade fiscal.
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2 STJ - Resp: 539084 SP 2003/0086670-3,
Relator: Ministro Francisco Falcão, Data de Julgamento: 18/10/2005, T1 -
PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 19/12/2005. p. 214. RDDT vol. 126.
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