Doctrina
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Ricardo
Oliveira Rotondano
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Entre
o capital e a questão social:
elementos
da educação brasileira na contemporaneidade
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Entre
el capital y la cuestión social: elementos de la educación brasileña en la
contemporaneidad
Between
Capital and Social Issue: Elements of Brazilian Education in Contemporary
Times
Doutor em Direito pela Universidade
Federal do Pará (UFPA). Mestre em Direito pela Universidade de Brasília
(UnB). Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Gama
Filho (UGF). Advogado. ORCID: 0000-0002-8488-1620 Contacto: mhernandezcarballido@gmail.
com
Resumo: O presente trabalho discorre
sobre os elementos que influenciaram a estrutu- ração da educação
brasileira nas últimas décadas, seguindo o seu percurso de expansão
quantitativa ―mas não necessariamente qualitativa. Investigam-se a
implementação das teorias do capital humano, que teve como base a ideia de
que o aprimoramento técnico- operativo dos indivíduos proporcionaria o
solucionamento das mazelas sociais; e a posterior teoria do capital
social, edificando bases de solidariedade cívica e harmonização das
relações sociais que favorece a continuidade do modelo de exploração dos
agrupamentos socialmente menos favorecidos. A reflexão proposta almeja
avaliar se o panorama educa- cional pátrio estruturado contemporaneamente
contribui ou não para alcançar melhorias no quadro da questão social.
Palavras-chave: educação, capital humano, capital social, questão social.
Resumen: El presente trabajo discurre
sobre los elementos que influenciaron la es- tructuración de la educación
brasileña en las últimas décadas, siguiendo su recorrido de expansión
cuantitativa ― pero no necesariamente cualitativa. Se investiga la
implementación de las teorías del capital humano, que tuvo como base la
idea que el perfeccionamiento técnico operativo de los individuos
proporcionaría la solución a las molestias sociales; y la posterior teoría
del capital social, edificando bases de solidaridad cívica y armonización
de las relaciones sociales que favorece la continuidad del modelo de
explotación de los grupos socialmente menos favorecidos. La reflexión
propuesta anhela evaluar si el panorama educacional patriótico
estructurado en los días actuales contribuye o no a alcanzar mejoras en el
marco de la cuestión social.
Palabras clave: educación, capital humano, capital social, cuestión
social.
Abstract: This paper discusses the
factors that influenced the structure of Brazilian education in recent
decades, following its path of quantitative expansion ―but not necessarily
qualitative. Investigate to implement the theories of human capital, which
was based on the idea that the technical and operating improvement of
individuals provide the solving of social ills; and the later theory of
social capital, building bases of civic solidarity and harmonization of
social relations that favors the continuation of the exploration model of
socially disadvantaged groups. The reflection proposal aims to assess
whether the national educational panorama structured contemporaneously
contributes or not to achieve improvements in the context of the social
question.
Keywords: Education, Human Capital, Social Capital, Social Question.
Recibido: 20190507 Aceptado: 20191003
Introdução
Repousam sobre a educação expectativas provenientes de todos os setores so-
ciais, de que esta seja o caminho propício para o solucionamento das
demandas e problemas de todos os países, em especial em relação às nações
periféricas. Com o Brasil, não é diferente: a educação é constantemente
utilizada como discurso político para a superação das mazelas sociais, como
violência, desemprego e pobreza. As políticas de expansão da educação básica
e superior brasileiras instauradas nas últimas décadas detinham, entre os
seus pressupostos embasadores, a crença na transição de situações-chave a
partir da aproximação do ideal de universalização da educação no país.
Houve, sem dúvidas, avanços sociais provenientes desse esforço
institucional. Os números demonstram a drástica redução do analfabetismo no
país, em conjunto com o vertiginoso aumento de acesso de crianças e jovens à
educação básica e superior ―com a expansão numérica de vagas nas duas
vertentes. Entretanto, parcela considerável dos entraves continua em vigor:
a desigualdade socioeconômica e os índices de miserabilidade continuam em
estado alarmante no país. Diante deste quadro, é inevitável incidir no
questionamento: as previsões sobre o caráter social- mente transformador da
educação estavam equivocadas? A educação não tem a capacidade prevista para
solucionar os problemas do país?
Não obstante a pertinência das questões colocadas, é preciso desviar o
prisma da investigação e colocá-la sobre outro enfoque: de qual educação
estamos falando? A expansão da educação no Brasil nas últimas décadas é um
processo inegavelmente necessário, tendo-se em conta o ideal de
universalização dos direitos. Os direitos sociais devem estar disponíveis
para todos os indivíduos, sem exceção; a educação, dessa forma, requer do
Estado projetos e políticas de efetivo alcance social para todas as partes
do país sejam contempladas ―esforços estes que foram direcionados pelas
instituições governamentais nas últimas décadas.
A expansão quantitativa ―de multiplicação de instituições, professores e
vagas de ensino básico e superior no país― não significou, necessariamente,
o fornecimento de uma educação de qualidade. O modelo educacional aplicado
seguiu a cartilha dos interesses dos agrupamentos empresariais
internacionalmente organizados, de formação educacional como
instrumentalização dos indivíduos para a ocupação de postos no mercado de
trabalho. Os projetos político-pedagógicos do país estiveram pautados por
conteúdos técnico-operativos, que forneciam aos educandos informações
científico-formais alienantes.
Tal opção metodológica, atendendo a teorias educacionais liberais, afastou
os indivíduos da reflexão acerca das relações de poder inseridas no seu
âmbito de vivência social ―tornando-os dependentes do sistema de exploração
da força de trabalho capitalista. Os ideais que permeavam (e ainda permeiam)
a educação bra- sileira negam a possibilidade de estimular a ponderação
crítica dos alunos sobre o modelo de opressão e subalternização edificado na
contemporaneidade, em que uma elite financeira comanda os rumos da nação,
ditando políticas que beneficiam aos seus interesses privados em
contrapartida dos anseios sociais de grande parte da população.
Nessa vertente, o presente trabalho analisa teorias internacionalmente
difundidas que influenciaram os rumos da educação global e brasileira nas
décadas recentes. A primeira delas é a teoria do capital humano, a partir
da qual os conteúdos-base da educação pátria foram substituídos no período
ditatorial e seguiram em vigor após a redemocratização. A segunda teoria
analisada é a do capital social, incorporada pelas instituições
educacionais como solução alternativa por conta da falibilidade
demonstrada pela teoria do capital humano. Investigar a incorporação dos
conceitos provenientes das referidas teorias no cenário de expansão
educacional brasileiro é tarefa ímpar no entendimento do formato de
conteúdos instaurados pelas instituições de ensino no país. Incorrer na
tarefa proposta auxiliará no entendimento acerca da educação que está
sendo majoritariamente aplicada no contexto nacional e dos motivos pelos
quais esta não colabora efetivamente para solucionar os entraves
socioeconômicos que atravessam a sociedade pátria.
A teoria do capital humano e a expansão da educação no Brasil Nas últimas
décadas, o Brasil tem apresentado expressivo crescimento em sua estrutura
educacional por meio de políticas públicas expansivas, o que culminou em um
maior acesso da educação básica e superior em todo o território nacional. A
partir da segunda metade da década de 1970 até meados dos anos 2000, o
número de matrículas na educação básica mais do que dobrou; entre os anos de
1960 e 1990, as matrículas em cursos superiores brasileiros subiram de 100
mil para 1,4 milhão (Tafner, 2006).
Tal proposta de expansão e qualificação educativa foi implementada
inicialmente no Brasil pelo governo ditatorial militar, seguindo um modelo
desenvolvimentista aliado à ideologia do capitalismo internacional à época,
que direcionava a educação para conteúdos eminentemente técnicos (Freitag,
1977). O pensamento global estimulado no referido período relacionava
diretamente o acréscimo da capacitação técnica dos indivíduos ao seu ganho
de qualidade de vida ―pensamento este que fora prontamente absorvido pelo
governo ditatorial brasileiro.
Tal ideologia, estimulada pelo Banco Mundial, foi baseada no que se
denominou de teoria do capital humano, que pregava o investimento na
educação formal dos indivíduos como a saída para a problemática da pobreza,
do desemprego e da desigualdade social. Nesse ínterim, os problemas sociais
estavam claramente ligados à falta de adaptação dos sujeitos ao modo de
produção capitalista, tendo-se em conta que o desenvolvimento das nações
dependia prontamente da elevação dos níveis de capacidade produtiva do
proletariado ―já que em países subdesenvolvidos como o Brasil, faltava
qualidade técnica especializada para grande parte da força de trabalho.
A teoria do capital humano, incorporada à teoria econômica moderna por Jacob
Mincer (1981) ―já que, segundo o próprio autor, a referida teoria já existia
há pelo menos dois séculos― tinha como base de formulação a ideia de que a
capacitação profissional do trabalhador poderia aumentar a produtividade
deste. Como consequência natural deste processo, Jacob Mincer acreditava que
tal formação técnico-operativa superior para a classe trabalhadora
resultaria em um acréscimo na sua renda pessoal, na produtividade do seu
país e até mesmo no controle de natalidade da nação (Mincer, 1981),
solucionando assim grande parte dos problemas sociais existentes.
Desse modo, a teoria do capital humano dissemina a ideia de que existem
aspectos não-privados decorrentes da capacitação técnico-operativa do
trabalhador, como a diminuição da pobreza e a redução da criminalidade
(Goldin, 2014). Transfere-se para a educação o papel de instrumento propício
para a equalização de indivíduos, classes ou mesmo dos diferentes países e
regiões. Entretanto, o quadro educacional identificado com a referida
transformação se dá a partir da qualificação de força de trabalho: é a
educação formal voltada para a disseminação de conhecimentos
técnico-operativos que detém a possibilidade real de fazer com que
prosperidade e progresso alcancem as nações subdesenvolvidas (Motta, 2007).
Nesse sentido, a educação básica e superior brasileira é completamente
moldada segundo a visão ideológica proveniente da teoria do capital humano
nas décadas em destaque ―especialmente o período em que vigorou a ditadura
civil-militar (Scheibe, 2014). Explica Gaudencio Frigotto (2011a) que a
trajetória da ditadura civil-militar foi marcada por uma série de reformas
na educação nacional, de modo a conformar todo o sistema educativo para
agregar estes novos conceitos neoliberais, formando indivíduos para ocupar
postos no mercado de trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases 5692/71,
inclusive, seguiu os referidos preceitos da teoria do capital humano.
Não somente a educação básica, mas igualmente a educação superior é atingida
por amplas e profundas reformas de cunho neoliberal. Acusadas de serem
improdutivas, à época da década de 1970, as universidades públicas passam a
ser inseridas na lógica do capital, devendo alcançar números de
produtividade que não levam em consideração a antiga qualidade social dos
trabalhos produzidos. Formula-se a necessidade de autofinanciamento das
universidades que, ante a sua inegável descapitalização, passam a servir
como prestadoras de serviço às empresas que financiam as suas pesquisas
―exigindo em troca de tal injeção de recursos o atendimento aos seus
objetivos mercadológicos (Silva; Ourique, 2012).
A multiplicação do número de vagas e estabelecimentos educativos no país, o
que culminou no efetivo acesso à educação formal da população brasileira, é
um dos aspectos inerentes ao processo de aplicação da teoria do capital
humano no Brasil. De fato, a expansão da educação formal no país ―em suas
modalidades básica e superior― conduziu a elevação considerável dos níveis
de escolaridade e capacitação técnica do brasileiro, reduzindo, inclusive,
os antigos níveis de analfabetismo de modo incisivo, embora não se tenha
atingido ainda em sua plenitude o direito social de universalização do
ensino (Scheibe, 2014).
Entretanto, a expansão da educação básica brasileira de forma numérica não
foi acompanhada pela implementação de uma educação de qualidade. Não
obstante a polissemia que reveste este conceito (Scheibe, 2014), podendo ser
adequada às expectativas de diferentes grupos com finalidades diversificadas
em torno do processo de ensino, entendemos aqui uma educação de qualidade
como aquela que propicia as bases de estímulo à reflexão crítica dos
indivíduos, incentivando a sua capacidade de ponderar além das informações
dadas, nvestigando os seus fundamentos e as relações de poder que a
revestem.
Houve o prevalecimento de ideais economicistas no projeto expansionista da
educação pátria, em que foram atendidos os anseios empresariais de formação
de força de trabalho qualificada ―mas não as expectativas sociais de
emancipação coletiva. Sob este panorama, o crescimento numérico da educação
básica e superior brasileira não forneceu instrumentos efetivos para que os
cidadãos construam caminhos alternativos para a quebra da opressão social na
qual estão inseridos. A formação de cidadãos críticos, a partir de uma
educação de qualidade, possibilita o desenvolvimento ético, social,
cultural, ecológico e econômico das comunidades regionais e nacionais
(Silva; Ourique, 2012).
Esta análise encontra pertinentes fundamentos ao analisarmos que o
significativo crescimento na formação educacional dos brasileiros não foi
acompanhado efetivamente pela melhoria nas condições de vida dos mesmos.
Segundo Vania C. Motta (2007, 43), “o que se verificou ao longo dos anos
1990 foi que o aumento da escolaridade da população, não só brasileira, se
deu ao mesmo tempo em que au- mentaram o desemprego, a pobreza e a
desigualdade entre as camadas sociais e também entre nações”.
A virada do novo século demonstra um cenário mundial de crescente pobreza e
desemprego. O mundo globalizado contrasta uma intensa liberdade ao mercado,
propícia para a acumulação de riquezas, com a intensificação da miséria de
massas populacionais e da devastação de recursos ambientais em larga escala
(Motta, 2009). A ideia de que a capacitação técnica do trabalhador e o
aumento de produtividade ocasionariam uma significativa melhoria dentro do
quadro de problemas sociais não se cumpriu efetivamente, demonstrando a
fragilidade dos preceitos teóricos formulados pela teoria do capital humano.
Diante da crise social e econômica que assolou as nações no período
final do século XX ―e que atingiu de modo ainda mais profundo as nações de
capitalismo periférico, como o Brasil― fez-se necessário reformular as
antigas bases teóricas de atuação política, econômica e educacional. Neste
quadro, foram realizados ajustes na política neoliberal anterior para
atender aos anseios do capitalismo global ganha destaque, sendo
disseminada como instrumento de transformação social e política para os
antigos problemas das nações mundiais: a teoria do capital social.
A teoria do capital social e a formação de uma comunidade cívica
Ante o não cumprimento das expectativas dos teóricos neoliberais quanto às
políticas econômicas e educacionais elaboradas nas décadas anteriores, as
nações e os organismos internacionais se reúnem para rediscutir os rumos da
sociedade global. Após uma série de encontros e discussões entre os setores
políticos e econômicos das nações capitalistas, foram definidas como bases
norteadoras das décadas seguintes as chamadas Políticas de Desenvolvimento
do Milênio (PDMs). Os princípios contidos nestas políticas, amparados em um
novo projeto educacional baseado na teoria do capital
social, pregavam a ideia de que as reformas econômi- cas das nações
deveriam abarcar em suas premissas uma mudança de direcionamento na seara
cultural e social (Motta, 2008a).
Pois bem. Embora o termo capital social tenha sido utilizado por outros
autores em um período anterior ―sendo um dos mais conhecidos, nessa
vertente, Pierre Bourdieu (1986), coube a Robert Putnam (1995) realizar
contribuições relevantes nesta teoria, fruto da investigação de duas décadas
realizada pelo pesquisador na Itália, analisando o desenvolvimento de
políticas de governo das distintas regiões italianas. Como fator-chave para
a pesquisa de Robert Putnam (1995), analisou-se a relevância que a formação
de uma comunidade cívica detém no progresso de
deter- minada região ―entendendo-se por comunidade cívica o mesmo que
capital social: premissas como tolerância, solidariedade, cooperação mútua.
Os estudos de Putnam chegam, então, à conclusão de que o engajamento cívico
e social da população ―ao formular laços de solidariedade entre si― são
fatores imprescindíveis para o progresso de um governo democrático. Assim
como há a capacitação humana para a elevação da produtividade (conforme a
teoria do capital humano), Robert Putnam (1995) acredita que o investimento
educacional para que a sociedade incorpore elementos cívicos, de
solidariedade recíproca, seria capaz de produzir significativos efeitos
benéficos nas nações ―melhores escolas, maior desenvolvimento econômico,
menor criminalidade.
A escolha dos investimentos do capital internacional na teoria do capital
social veio a agregar uma nova roupagem de governabilidade social, tendo em
vista que a teoria do capital humano não gerou os efeitos desejados. Por
intermédio da teoria do capital social, almejou-se investir em um modelo de
capitalismo que não tivesse como objeto unicamente o lucro; segundo
especialistas, “trabalhar com a ideia de ‘capital social’ introduz uma
dimensão mais humanizada no processo econômico, isto é, pode tornar o
capitalismo menos selvagem” (Motta, 2008a, 28).
Segundo Eguzki Urteaga (2013), a ideia de capital social de Putnam tem dois
principais elementos: a primeira característica se refere ao compromisso
cívico e associativo entre os indivíduos. Tal preceito está ligado
a uma organização da sociedade de modo a intervir nos rumos do Estado,
planejando de modo direto as políticas públicas e negando o paradigma do
individualismo não participativo ―bastante comum em uma sociedade
capitalista neoliberal, na qual os sujeitos têm como única e exclusiva
preocupação a consecução dos seus interesses particulares.
O segundo fundamento conceitual da teoria do capital social, segundo Urteaga
(2013), seria o que ele chama de familiarismo amoral.
Este elemento tem como base enfoques culturalistas, de que os indivíduos de
uma mesma comunidade cultural tendem a adotar ações semelhantes em resposta
a situações semelhantes. Nesse sentido, há a predominância de certa
desconfiança e competição nas relações estabelecidas fora do âmbito
familiar, em que os demais indivíduos são vislumbrados como possíveis
concorrentes e adversários. A ocorrência desta prática é, segundo Putnam
(1995), essencial para a distinção entre as regiões com maior ou menor nível
de desenvolvimento socioeconômico.
As entidades administrativas territoriais que contavam com uma cultura onde
predominavam as relações de desconfiança entre os indivíduos tinham maior
dificuldade em se desenvolver e, por isso, estavam imersas em uma série de
problemas sociais ―pobreza, violência, desemprego. Por outra via, as regiões
nas quais a cultura cívica da solidariedade e a cumplicidade mútua
prevaleciam alcançavam níveis de riqueza e desenvolvimento social bastante
elevadas e equilibradas. Ao analisar tais discrepâncias, Putnam (1995)
elencou uma série de variáveis explicativas que pudessem trazer uma
justificativa coerente para o distinto desempenho das regiões analisadas,
não obtendo resultados satisfatórios. Chegou, então, à conclusão de que o
fator capital social ―como elemento de formação
de laços cívicos e participativos pela comunidade― era determinante no
desenvolvimento das regiões analisadas ao longo do seu estudo.
Entretanto, a teoria do capital social acaba por mascarar as relações de
exploração típicas de uma sociedade capitalista. É transmitida a falaciosa
mensagem aos setores excluídos da população de que a formação de relações
harmoniosas entre os indivíduos e as instituições, constituídas à base da
confiança recíproca, é essencial para o avanço coletivo do país ―o que
desembocaria, segundo este discurso, na melhoria de condição de vida dos
agrupamentos subalternizados. Invisibiliza-se, assim, a luta de classes
inerente a uma sociedade dividida entre a elite hegemônica e a população
oprimida.
Neste sentido, Vânia Motta (2008a) alerta para o caráter conformador
proveniente da aplicação da teoria do capital social. Segundo a autora, a
referida teoria visa educar para o conformismo, criando o alienante cenário
de que a solidariedade é a base das relações sociais, mesmo entre indivíduos
trabalhadores explorados e empresários detentores dos meios de produção. A
autora questiona a intencionalidade de uma construção conceitual que
compactua com um regime de exploração laboral massiva e de acumulação de
riquezas por pequenos agrupamentos sociais ―que omite a existência de
conflitos de interesses na sociedade pátria de cunho neoliberal.
É dessa forma que a educação brasileira vem sendo reestruturada na última
década, seguindo a proposta da teoria do capital humano aliada à do capital
social. Além da continuidade do investimento em metodologias e conteúdos
técnico-operacionais ―visando a formação de força de trabalho qualificada―
vêm sendo realizados investimentos na edificação de uma cultura cívica
harmonizadora, em que as relações de exploração social são mascaradas pelo
sentimento de confiança recíproca nos indivíduos e nas instituições. Este
segundo movimento agrega a ocorrên- cia de diversas parcerias entre o setor
privado e a educação pública, sob o fundamento da edificação de laços
sociais de integração e solidariedade, formando redes colaborativas (Motta,
2014).
Nesse quadro de integração público-privada para a implementação das teorias
do capital humano e do capital social na esfera educacional brasileira,
pode-se destacar o movimento Todos Pela Educação (TPE), calcado na presença
civil-empresarial na gestão das escolas. Ademais, deve-se incluir nesta
seara a intensificação da participação educacional das Organizações Sociais
e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OS e OSCIP), que
tiveram vigoroso crescimento e interferência na sociedade e nas instituições
educativas ―inclusive, selecionando e organizando conteúdos e métodos de
ensino, conforme o padrão empresarial produtivista (Frigotto, 2011a). Assim
sendo:
Isso significa que a educação deixou de ser
uma questão nacional e passou a ser pensada, planejada e regulada por
centros de poder que vão muito além dos Estados Nacionais. A regulação da
educação passou a envolver múltiplos agentes: além de agências
multilaterais, associações empresariais, organizações transnacionais,
também ONGs locais e internacionais, em geral, verdadeiros braços sociais
das empresas (Bruno, 2011, 553).
As reformas legislativas ocorridas no início deste século visaram, nesse
campo, abrir espaço para a formatação de parcerias entre o público e o
privado, inserindo as entidades empresariais no campo de planejamento e de
execução de políticas educacionais. Num momento no qual a chamada terceira
via (Giddens, 2001) emerge como alternativa frente à decepcionante política
neoliberal global, o Estado brasileiro realiza um aposta em um modelo de
gestão dos serviços públicos com in- tenso teor de intervenção das
instituições privadas, eximindo-se da responsabilida- de de fornecimento de
objetos sociais aos quais possuía exclusividade anteriormente.
Especialmente no campo da educação, as parcerias entre os entes públicos e
privados origina a formatação da estrutura educacional de modo a atender aos
anseios do capital organizado. Nesse sentido, “nos últimos anos, temos
identificado inúmeras iniciativas de entrada das empresas privadas no campo
da educação pública, influenciando a gestão, os currículos das escolas e a
formação de professores” (Carvalho, 2017, 533). A configuração do modelo de
educação a partir da participação de entidades do terceiro setor tem, nesse
prisma, amparado ideais mercadológico-produtivos, investindo em conteúdos
cada vez menos crítico-reflexivos acerca das relações sociais de poder.
Ante o exposto, percebe-se a relevância que a estruturação da educação detém
dentro do cenário nacional e global para o progresso das nações e para a
resolução das suas mazelas. Seja em relação à capacitação tecnicista, quanto
ao modelo de formação cívica, a educação desponta como instrumento mundial
propício para encaminhar o solucionamento das sequelas dos países no cenário
contemporâneo do capital globalizado. Dentro do referido contexto, urge o
questionamento: a educação formal contemporânea praticada pelas instituições
de ensino nacionais, tanto na seara escolar quanto na vertente
universitária, tem contribuído para a superação da questão social?
Educação formal como solução para a questão social (?)
A problemática posta em relação à investigação apresentada impõe a tarefa de
esclarecimento acerca do que se entende por questão social. A questão social
tem a sua origem associada à intensa pauperização das camadas trabalhadoras
do final do século XVIII, oriunda da primeira onda industrializante europeia
e da instauração do estágio industrial-concorrencial do capitalismo. Eric J.
Hobsbawn (1996) relata o fascínio político-governamental à época com as
promessas da industrialização produtiva, gerando entre os economistas e
políticos da época um consenso em torno do liberalismo econômico como
principal caminho para o progresso das nações.
Contudo, a espantosa evolução na capacidade produtiva dos países não se re-
verteu em uma efetiva distribuição desses bens: “pela primeira vez na
história registrada, a pobreza crescia na razão direta em que aumentava a
capacidade social de produzir riquezas” (Netto, 2001, 42). O momento
histórico do surgimento da questão social aliou, por um lado, uma ordem
político-jurídica que estabeleceu o reconhecimento institucional dos
direitos dos cidadãos e, por outro, uma ordem econômica geradora de miséria
e marginalização dos mesmos (Castel, 1998).
A ideia-chave relativa à gênese da questão social ―que permanece latente até
os dias atuais― segundo Marilda V. Iamamoto (2013, 330) “encontra-se no
caráter coletivo da produção e da apropriação privada do trabalho, de seus
frutos e das condições necessárias à sua realização”. A acumulação privada
da riqueza gerada pela força produtiva da coletividade induz necessariamente
à formação do que se denomina questão social ―atinente na fruição de bens de
consumo por parcela minoritária dos donos do capital, em contraposição ao
aumento da pobreza e miserabilidade das extensas camadas de trabalhadores.
Discorrendo sobre a raiz da questão social na atualidade, Iamamoto (2013)
explica ter havido a cooptação dos organismos de Estado pelo poderio
financeiro do capital internacional. Isto implica em uma constante
elaboração de políticas públicas governamentais almejando implementar os
anseios e exigências do mercado financeiro ―sendo concedida ampla liberdade
de atuação para que o capital transnacional possa, livre de regulamentações
e controle, transferir lucros e salários provenientes da produção nacional,
valorizando-se na seara financeira (Iamamoto, 2013).
Todo este debate nos conduz às conclusões de Gaudencio Frigotto (2011b)
sobre a educação brasileira do século XXI. Segundo o autor, a educação
brasileira tem sido modelada ante as aspirações da modernização e do
atendimento ao capital organizado nas últimas décadas, tendo assim sido
estruturada por meio de parcerias entre o público e o privado ―instaurando,
então, uma lógica de avaliação de resul- tados inferidos pelo produtivismo e
sua filosofia mercantil, renegando as concepções de educação baseadas na
pedagogia histórico-crítica (Frigotto, 2011b).
É justamente em relação a esse fenômeno contemporâneo que se inserem as
recentes políticas educacionais implementadas no cenário pátrio. Seguindo as
ideologias da teoria do capital humano e do capital social, as reformas
educacionais nacionais não detêm como objetivo principal a superação da
questão social. Identifica-se, em verdade, uma tentativa de enquadramento do
sistema educacional às expectativas do capital ―tendo em conta o poder
contido no campo educacional, como “campo da produção e reprodução do
conhecimento, da formação e da di- fusão de cultura” (Motta, 2006, 20).
A educação foi sempre apresentada pelas elites dominantes como o instrumento
propício para o solucionamento de todas as mazelas da nação, uma verdadeira
“galinha dos ovos de ouro”. Entretanto, houve ―e ainda há― uma separação
visível entre o modelo de educação básica e superior fornecido para as
diferentes classes sociais: enquanto os filhos da classe dominante recebem
uma educação geral ―o que inclui elementos de análise política das relações
sociais― os filhos das classes trabalhadoras recebem mero adestramento
técnico profissional (Frigotto, 2013).
Ao assumir políticas neoliberais educativas, realizando a formação de
indivíduos meramente para a atuação no mercado de trabalho ou para a criação
de redes de solidariedade, o Estado burguês assume um papel educador,
criador de ideologias (Motta; Oliveira, 2010). Ideologias estas voltadas
para a sacralização do sistema capitalista em vigor, ao disseminar ideias de
que a resolução da problemática social pertinente à sociedade do capital não
é possível ―sendo um efeito colateral inescapáve(1)― ou depende
exclusivamente da ação dos indivíduos oprimidos, que devem se esforçar para
se integrar ao sistema. Nesse sentido:
Como se pode ver, ainda que a produção de
capacidade de trabalho esteja exigindo mais anos de escolaridade e
conhecimentos mais complexos, essa produção está longe de incluir o
domínio de um pensamento teórico sólido e investigativo, ao contrário,
trata-se apenas de garantir o aprendizado de conhecimento meramente
instrumental e as competências trabalhadas são de caráter adaptativo às
exigências do sistema. É esse, a meu ver, o sentido da massificação da
educação, inclusive da superior (Bruno, 2011, 554).
Esta é justamente a inferência contida na teoria do capital humano, na qual
toda a responsabilidade pela ocorrência da miserabilidade dos sujeitos é
transferida para os próprios, tendo em vista ser fruto da sua
não-qualificação (Motta, 2008b). Depreende-se, então, que a desigualdade
entre sujeitos, classes ou mesmo países é originada da falta de qualificação
dos trabalhadores e da sua modernização ―o que resguarda o sistema
capitalista de possíveis críticas, mantendo-o em sua integridade.
O panorama em tela revela a ocorrência ainda cotidiana de um processo social
de culpabilização das vítimas (Moreno, 2005), dentro do qual a ideologia
conservadora elabora preceitos de modo a inferir a responsabilidade da
debilidade social para os próprios sujeitos oprimidos. Nesse quadro, Carlos
Montaño (2012) assinala que, além dos fatores problema de planejamento e
problema de ordem moral-comportamental, o déficit educativo é uma das
principais fontes de atribuição da culpa pela miserabilidade aos indivíduos
subalternizados, por conta da sua falta de qualificação para adequação ao
sistema capitalista.
Ademais, não se deve limitar a importância da educação à capacitação
técnico- operativa: “transformar a experiência educativa em puro treinamento
técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício
educativo” (Frei- re, 1996, 18-19). Fomentar um protótipo de educação
baseado na disseminação de informações instrutivo-operativas alienantes
obstrui o caminho da reflexão dos indivíduos acerca da realidade social
opressora na qual estão inseridos, não fornecen- do meios propícios para
modificar as relações de desigualdade e exploração:
A racionalidade técnica não colabora para a
melhoria das condições de análise de nosso tempo. O conhecimento
instrutivo e técnico, preparatório para exames simplistas e operatórios
(...), é alienante, se desacompanhado de uma ampliação crescente da
capacidade de leitura da realidade histórico-social. A tradição inscreveu
nas práticas nacionais de ensino, do Fundamental ao Superior, inclusive e
principalmente o ensino jurídico, formas de conhecimento que estão
completamente descoladas da dinâmica da vida social. (...) O ensino
fundado em raciocínios técnico-operativos não consente a formação de
habilidades libertadoras, mas, muito pelo contrário, fornece instrumentos
para operar dentro do contexto de uma sociedade exacerbadamente
competitiva, consumista, individualista e capitalista selvagem. Quem vive
sob este modelo de educação não “recebe educação”, verdadeiramente,
“padece educação” (Bittar, 2007, 321).
A valorização do conhecimento técnico-instrumental e a consequente perda de
espaço das ciências sociais pela instauração do paradigma capitalista
moderno modifica, no entender de Boaventura de Sousa Santos (2007), a
formação das consciências humanas. Segundo o autor, há a edificação do
paradigma da razão indolente, caracterizado como a mentalidade preguiçosa e
amorfa, incapaz de pensar os problemas sociais, posto que acostumada a
receber os conhecimentos prontos e acabados, típicos das ciências operativas
valorizadas pela modernidade (Santos, 2002). Nesse ínterim, repensar os
modos de produção e reprodução do conhecimento contemporâ- neo é essencial
para provocar a transitividade desta grave sequela.
Por sua vez, a teoria do capital social, ao disseminar o projeto de criação
de uma comunidade cívica ―fundada em valores como solidariedade e
cooperação― traz consigo a intencionalidade de educar para o conformismo
(Motta, 2008a). Isto implica a formação de mentes para a redução das tensões
sociais, ao entoar o discurso de que por meio do auxílio recíproco, os
sujeitos podem encaminhar a saída da sua situação de miserabilidade. Embora
seja possível identificar autoras/es que pensem de modo contrário,
valorizando os objetivos presentes na teoria do capital social (Duque,
2013), o objetivo deste projeto cívico-educacional parece estar voltado para
dissipar a tensão da disputa de classes inerente à sociedade capitalista,
mantendo-se os grupos oprimidos em uma situação de paralisia e conformismo
sociais (Motta, 2009).
O projeto de formação de uma comunidade cívica pela teoria do capital social
incorre em uma estratégia propícia para impedir a integralização da questão
social por inteiro, segundo a definição de Potyara A. Pereira (2004).
Segundo a autora, há uma clara distinção entre problema ―caracterizado com a
existência de mazelas sociais, como a pobreza, o desemprego, a fome― e
questão ―originada a partir da problematização destes problemas, ou seja,
mediante a conscientização da exclusão e efetiva luta política dos grupos
subalternizados (Pereira, 2004). Sem esta explicitação, sem este debate, sem
a formação de demandas políticas efetivas pelas classes excluídas, existem
apenas desafios sociais sem solução ―mas não há a formação de uma questão
social em sua inteireza.
A evocação desta estratégia educativa condiz com a ascensão das instituições
de auxílio solidário ao cidadão nas últimas décadas ―as Organizações Sociais
e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público― em contradição ao
declínio dos Movimentos Sociais. As ONGs e entidades do terceiro setor
adotam, em sua grande maioria, discurso apolítico, e atuam mediante ações
assistencialistas que minimizam as carências imediatas dos grupos em
situação de vulnerabilidade (Gohn, 2000). Nesse sentido, coadunam-se com o
discurso da teoria do capital social de formação de redes solidárias e,
ainda, com as políticas neoliberais do Estado (Mon- taño, 2002).
Enquanto o terceiro setor atua com medidas imediatistas, trazendo efeito
paliativo aos problemas da comunidade subalternizada, os movimentos sociais
libertários trazem para o campo da demanda política o solucionamento efetivo
da questão social, por meio da denúncia do sistema capitalista excludente e
opressor (Gohn, 2013). Falta justamente aos organismos do terceiro setor e
ao modelo educacional centrado na teoria do capital social estimular um
fator inerente aos movimentos sociais: a categoria de luta social, que
implica a compreensão do antagonismo de interesses dentro da sociedade e o
consequente embate entre os sujeitos para conquistar seus objetivos (Gohn,
2006).
Pois bem. Os rumos da educação nacional, comandados pelas políticas
neoliberais formuladas nas últimas décadas, não apresentaram avanço em
relação às expressões da questão social ―tendo-se em conta que, não obstante
o visível aumento da escolaridade dos brasileiros, a pobreza, o desemprego e
a violência permanecem presentes. Cabe questionar a quem interessa o atual
modelo educacional implantado no Brasil, e quais seriam as bases para a sua
superação (Motta; Oliveira, 2010).
Nessa toada, Vania Motta (2008b) expõe com lucidez o duplo papel exercido
pela educação pública contemporânea em prol do capital organizado: por um
lado, exercem uma formação tecnicista, tipicamente para atender a demanda
no mercado de trabalho por qualificação do trabalhador, aumentando a
produtividade; por outro, estimulam a construção de uma cultura cívica
entre os indivíduos, de modo a harmonizar conflitos e tensões entre as
classes subalternizadas e a elite orgânica. Dentro do referido quadro, a
argumentação exposta parecenos conduzir à constatação de que a educação
contemporânea não tem contribuído para a superação da questão social; em
verdade, a educação tem sido utilizada como mecanismo das elites
financeiras para o fortalecimento do capitalismo globalizado.
Alegações finais
A expansão da educação básica e superior brasileira deve ser considerada
como um avanço significativo ocorrido no país. Milhões de pessoas que, em
situação anterior, estariam impossibilitadas de terem acesso a instituições
de ensino foram inseridas dentro deste quadro de aprendizado e formação
acadêmica. Entretanto, apesar do avanço numérico em instituições e
profissionais de ensino proporcionado pelo governo brasileiro, há que se
questionar sobre qual o tipo de educação disponibilizado para a população
―em especial, para os agrupamentos socialmente su- balternizados.
As políticas educacionais implementadas em conjunto com o investimento na
expansão da educação formal no Brasil foram pautadas por critérios
duvidosos. Visavam estimular uma formação tecnicista, modelando o cidadão
para atuar como força de trabalho qualificada no mercado de trabalho.
Disciplinas e conteúdos com vertente técnico-operativa foram priorizadas nas
grades curriculares dos cursos básicos escolares, em detrimento de matérias
com aspirações históricas, sociais e reflexivas, que perderam espaço
paulatinamente ao longo das reformas educacionais implementadas.
Todo esse processo de transição no modelo formativo-educacional visava ao
atendimento dos anseios do capital organizado, que depreendeu esforços para
a adoção pelos países de critérios tecnicistas em suas grades escolares.
Permeou-se a ideologia de que a capacitação técnica do trabalhador
possibilitaria uma maior produtividade empresarial, maior ganho financeiro
pela força de trabalho qualificada, gerando uma reação em cadeia que
permitiria o solucionamento das mazelas sociais, como a pobreza e o
desemprego. Tais previsões, no entanto, não se configuraram.
Novas propostas surgiram, pregando a formação de redes de solidariedade e de
colaboração em torno e pelas instituições escolares e universitárias. Como
pano de fundo destas novas estratégias, depreende-se uma maior participação
do empresariado dentro dos espaços decisionais escolares, influindo nos
caracteres organizativos das escolas nas quais atuam. O deslinde da
participação de setores empresariais privados dentro da seara escolar tem
sido a reconfiguração dos critérios formativos e avaliativos das
instituições de ensino, que passam a ser guiados por elementos competitivos
e de compensação meritocrática típicos do mercado capitalista individualista
e excludente.
Nesse sentido, o papel da escola tem sido delimitado rigorosamente como
instituição de formação de indivíduos com capacidades técnicas e saberes
profissionalizantes, deixando de proporcionar reflexões e conhecimentos
voltados para a convivência cidadã e para a participação social. O campo
escolar deve ser, além de um local que proporciona informações de conteúdo
técnico-operativo que embasa a futura formação profissional, uma instituição
de construção de uma vivência em sociedade, pautada pela alteridade e pelo
reconhecimento dos demais indivíduos como seres humanos ―não como
concorrentes pelo melhor posto de trabalho.
A escola, ao contrário do que comumente se dissemina, não é uma instituição
neutra, livre de condicionantes políticas. Ao optar e perpetuar um modelo
operacional e tecnicista, apartado de reflexões sociais, culturais e
políticas, as instituições de ensino formal acabam dando continuidade ao
paradigma de beneficiamento de elites econômicas e políticas estruturadas
dentro do espaço de mando governamental e à opressão direcionada por estas
aos agrupamentos subalternizados da sociedade. Não há, desse modo, a
instrumentalização dos cidadãos de modo propício para o enfrentamento da
questão social ―tendo em vista que os conhecimentos formalistas operativos
recebidos por tais grupos não lhes permitem refletir sobre as relações de
poder socialmente edificadas.
Urge, pois, repensar a atuação que as instituições de ensino contemporâneas
―que herdaram toda essa configuração escolar voltada para a
alienação técnico- operativa― dentro desse processo de manutenção das
hierarquias socioeconômicas edificadas historicamente no país. A atuação da
escola deve negar o caráter conservador da educação burocrático-bancária,
investindo em modelos dialogais e libertadores de reflexão crítica voltados
para conscientizar os indivíduos das relações de poder na qual estão
inseridos socialmente, objetivando fornecer estímulos à sua emancipação
coletiva e inserção no espaço de luta política pela efetivação de direi- tos
historicamente negados.
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Notas
1 A isto corresponde o processo de
naturalização da questão social (Ianni, 1989), na qual o pensamento
conservador burguês se apropria da ideologia referente à questão social
para atribuí-la como efeito colateral natural ao sistema capitalista, para
o qual não há solução. Disseminando a ideia de que se trata de fatalidades
próprias ao sistema, sendo possível apenas minimizar seus efeitos ―mas
nunca extirpá-los―, o pensamento capitalista predominante transforma
relações de indignação e revolta com a situação dos oprimidos em apatia e
conformação, culminando na aceitação das situações de miserabilidade e
carência.