http://dx.doi.org/10.22187/rfd2017n2a10
A destruição do inimigo público inominado: uma interpretação do político em Carl Schmitt
La destrucción del enemigo público innominado: una interpretación de lo político en Carl Schmitt
The destruction of the nameless public enemy: an interpretation of the political in Carl Schmitt
Felipe Alves da Silva1
1Graduando em Direito pela Faculdade Cidade Verde (FCV) e Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Brazil. E-mail: felipealves_silva@yahoo.com
Resumo:
O artigo se propõe a uma análise crítica dos critérios elementares para a definição do conceito do político apresentado pelo jurista e filósofo alemão Carl Schmitt, para, passo seguinte, partindo da essência do político – que consiste na dualidade amigo e inimigo –, investigar as repercussões práticas resultantes das possibilidades reais de enfrentamento, de modo que se tenha por escopo primordial a análise de um potencial totalitário no pensamento schmittiano, uma vez que essa diferenciação, para Schmitt, consiste no fundamento elementar para definição do político. O inimigo – o outro, o desconhecido – que pode ser destruído e exterminado no sentido físico, não necessariamente se aplica a cada antagonista, mas apenas a um inimigo público (hostis), e dado seu caráter de indeterminação, pode ser estipulado conforme os desígnios do soberano, ou, no contexto da Alemanha nazista na qual Schmitt se encontrava, conforme os desígnios do Presidente do Reich. A metodologia utilizada consiste em um caráter hipotético-dedutivo a partir de pesquisa bibliográfica, principalmente no que concerne às construções teóricas de Carl Schmitt.
Palavras-chave: Carl Schmitt, político, amigo-inimigo, enfrentamento, homogeneidade.
Resumen:
En este artículo se propone un análisis crítico de los criterios básicos para la definición de lo político presentado por el jurista y filósofo alemán Carl Schmitt, para, paso siguiente, basado en la esencia de lo político – que es la dualidad amigo y enemigo – investigar las consecuencias prácticas resultantes de las posibilidades reales de afrontamiento, de forma que tenga como propósito principal el análisis de un potencial totalitario en el pensamiento de Schmitt, ya que esta diferenciación, para Schmitt, es la base fundamental para la definición de lo político. El enemigo – el otro, el desconocido – que puede ser destruido y exterminado en el sentido físico, no se aplica necesariamente a cada antagonista, pero si a un enemigo público (hostis), y dado su carácter de indeterminación, puede ser estipulado de acuerdo con la voluntad del soberano, o en el contexto de la Alemania nazi en que Schmitt estaba, de acuerdo con la voluntad del Presidente del Reich. La metodología consiste en un carácter hipotético-deductivo de la literatura, especialmente con respecto a las construcciones teóricas de Carl Schmitt.
Palabras-clave: Carl Schmitt, político, amigo-enemigo, afrontamiento, uniformidad.
Abstract:
The article aims to do a critical analysis of the elementary criteria for the definition of the concept of the political presented by the German jurist and philosopher Carl Schmitt to, afterwards, starting with the essence of the political – which consists in the friend and enemy duality –, investigate the practical repercussions resulting from the real possibilities of confrontation. The primordial scope is to show the possibility of a totalitarian potential in Schmittian thought, since this differentiation, for Schmitt, is the elementary basis for the definition of the political. The enemy – the other, the unknown – that can be destroyed and exterminated in the physical sense, does not necessarily apply to each antagonist, but only to a public (hostis) enemy, and given its indeterminate character, can be stipulated according to the designs of the sovereign, or, in the context of the Nazi Germany in which Schmitt was included, according to the designs of the President of the Reich. The methodology used consists of a hypothetical-deductive character based on bibliographical research, mainly concerning the theoretical constructions of Carl Schmitt.
Keywords: Carl Schmitt, politic, friend-enemy, confrontation, homogeneity.
Recibido: 20170308
Aceptado: 20170516
Introdução
O objetivo principal deste trabalho é desenvolver uma análise crítica dos critérios elementares para a definição do conceito do político do jurista e filósofo Carl Schmitt, para, passo seguinte, a partir de uma abordagem da essência do político – que consiste na dualidade (Freund) e inimigo (Feind) –, investigar as repercussões práticas resultantes das possibilidades reais de enfrentamento, de forma que se tenha por finalidade a análise de um potencial totalitário no pensamento schmittiano, uma vez que essa diferenciação, para Schmitt, consiste no critério elementar para definição do conceito do político. Verifica-se que, partindo de um método hermenêutico da análise das produções intelectuais de Roberto Bueno, grande referência entre os comentadores de Carl Schmitt e no qual adotamos como linha de interpretação, o inimigo não necessariamente se aplica a cada antagonista, mas apenas para um inimigo público (hostis). Ainda que não se tenha como pretensão aprofundarmo-nos, por ora, nos argumentos de alguns intérpretes das obras schmittianas, compreende-se, de antemão, que uma interpretação deturpada do pensamento de Schmitt legitimaria a exterminação de um único inimigo, o que, em nossa compreensão, seria uma interpretação injusta e limitadora à finalidade do conceito político schmittiano.
Para tanto, a primeira parte do texto se dedica a localizar a construção do pensamento conservador e autoritário de Carl Schmitt. A ênfase recai sobre como o autor estabelece os critérios para a estipulação do dualismo amigo e inimigo, demonstrando que, em sua concepção, para chegar a uma autonomia do político por meio de um critério próprio de identificação, este deve distanciar-se do âmbito de outras categorias, buscando evidenciar que a relação política é autônoma e distinta de outras como a moral, por exemplo.
No restante do texto a investigação concentrará seu foco na análise aproximativa das interpretações de alguns comentadores sobre a quem se aplicaria a noção de inimigo para Schmitt. Notar-se-á que o inimigo não se aplica necessariamente a determinada categoria, mas, em suma, a um inimigo público (hostis) inominado, ou melhor, àquele que excedesse os limites do Estado e fosse considerado uma ameaça à “ordem” e à normalidade. Pretende-se, desse modo, não apresentar Schmitt como um adepto à prática de todo o horror dos campos de concentração e nem isentar ou defender suas posições teórico-políticas, mas tão-somente analisar as implicações e a possibilidade de deturpação do seu pensamento, de modo a fornecer um caráter de legitimação aos atos de crueldade praticados.
A imagem conturbada de Schmitt
Carl Schmitt (1888-1985) foi um jurista e filósofo alemão marcadamente conhecido por seu pensamento conservador e autoritário, bem como por ser um dos mais importantes críticos ao liberalismo e à democracia parlamentar de Weimar. Em meio a condições de extrema instabilidade tanto econômica quanto social, “o autor procurou responder aos problemas sociopolíticos e econômicos que torpedeavam e faziam soçobrar as instituições germanas” (Bueno, 2014), assim, Schmitt constrói seu pensamento durante a República de Weimar, publicando a primeira edição da obra O conceito do político em uma conferência em 1927 – durante um período de aparente estabilização – e a segunda edição em 1932, período que precede a queda da república e a ascensão dos nazistas ao poder.
Devido à complexidade da obra, torna-se imaginável dimensionar a quantidade de temas e problemas possíveis de serem investigados dentro das concepções e teorias políticas de Schmitt, razão pela qual não se admite como tarefa na presente investigação uma reconstrução pormenorizada dos critérios adotados para definição do político, bem como não há a pretensão de esgotar as interpretações fidedignas que foram dedicadas a essa obra, pretende-se, apenas, apontar algumas circunstâncias práticas preocupantes que influenciam concretamente não só a Alemanha, mas todos aqueles que, de certa forma, preocupam-se com questões acerca do Estado, da Política e do Direito.
A imagem ambígua do jusfilósofo provocou, por força de seus pensamentos, argumentos e análises muitas vezes distintos por seus intérpretes que até hoje não foram superados, mas que, no fundo, deveriam ser pensadas com a finalidade de entender a manutenção proposta para o político na era moderna, isto é, “na época do crescimento do parlamentarismo democrático, ao qual Schmitt se opôs com insistência” (Flickinger, 1992). Nessa linha, acentua Flickinger:
Como jurista, Carl Schmitt contribuiu, antes de tudo, ao desenvolvimento da doutrina da constituição moderna, cuja base encontra-se na atenta releitura da tradição européia: Mac-chiavelli, Hugo Grotius, Jean Bodin e os revolucionários conservadores Bonald, de Maistre, Donoso Cortês fundamentaram seu pensamento, destacando-se, porém, Thomas Hobbes como autor preferido, no qual Carl Schmitt enraizou sua crítica ao sistema político de Weimar. Com esta orientação opôs-se ele aos outros teóricos contemporâneos do Estado, como por exemplo, Otto Kirchheimer, Hermann Heller ou Hans Kelsen e Gerhard Anschutz. (Flickinger, 1992)
A intensidade com que foram centralizados os esforços de Schmitt ao modelo democrático-parlamentar de Weimar, evidencia que não se tratavam de simples aversões àquelas instituições, mas, sobretudo, representava uma estratégia de desvincular do Estado à possibilidade de uma pluralidade de pensamentos, de diferentes projetos de vida ou de visões políticas (Neumann, 2005) que, por certo, enfraqueceriam o poder estatal – uma vez que limitariam a atuação do político – e fragilizariam suas apostas conservadoras.
O pluralismo partidário da República de Weimar, para Schmitt e seus contemporâneos, não representava o espírito cultural do povo alemão, considerado por ele como um sistema fraco, corrupto e sem um sentido de coletividade, trazendo à tona a compreensão de que o contexto weimariano era rodeado de frágeis instituições e relações políticas superficiais (Kennedy, 2012), Schmitt sendo considerado um dos críticos mais severos da ideologia política liberal.
Assim, favorecendo roteiros totalitários gestados por sua profunda oposição à cultura político-jurídico weimariana, em meio aos constantes tumultos caracterizados como quase guerra civil dentro da quadra alemã, Schmitt manifesta-se quanto às práticas de diversidade sociopolíticas e apresenta a implementação de uma ordem política com poder capaz de reunir os interesses do povo alemão e submetê-los ao domínio de um interesse político centralizado (Bueno, 2014).
Tendo como ponto de partida a essência do político – que consiste na dualidade amigo (Freund) e inimigo (Feind) –, é preciso analisar as repercussões práticas resultantes das possibilidades reais de enfrentamento, de forma que se tenha por finalidade a análise de um potencial totalitário presente no pensamento schmittiano dentro do contexto histórico em questão na qual o autor se localiza e constrói seus pressupostos teóricos, visto que essa diferenciação, para Schmitt, consiste no critério elementar para a definição do conceito do político. É justamente no quesito de seu pensamento político que buscaremos criticamente nos atentar de agora em diante.
O pensamento político de Carl Schmitt
A figura do político, em Schmitt, é construída a partir de uma relação antagônica, ou seja, de oposição. Entretanto, antes de entrar nessas questões mais aprofundadas, é necessário percorrer o caminho argumentativo proposto pelo autor para que se chegue ao conceito propriamente dito, de modo a distanciar qualquer outra categoria estranha àquela específica do político. Nesse quesito, salienta Schmitt:
Uma definição do conceito do político só pode ser obtida pela identificação e verificação das categorias especificamente políticas. Isto porque o político tem suas próprias categorias, as quais se tornam peculiarmente ativas perante os diversos domínios relativamente autônomos do pensamento e da ação humanos, especialmente o moral, o estético e o econômico. Por isso, o político tem que residir em suas próprias diferenciações extremas, às quais se pode atribuir toda a ação política em seu sentido específico. Suponhamos que no âmbito do moral as extremas diferenciações sejam bom e mau; no estético, belo e feio; no econômico, útil e prejudicial ou, por exemplo, rentável e não-rentável. A questão é, então, se também existe – e em que consiste –, uma diferenciação especial como critério simples de político, a qual, embora não idêntica e análoga àquelas outras diferenciações, seja independente destas, autônoma e, como tal, explícita sem mais dificuldades. (Schmitt, 2008)
Schmitt deixa claro, nos momentos iniciais de sua obra, que a finalidade não é a de buscar uma definição em específico para o político, mas “buscar critérios para a inteligibilidade do fenômeno do político” (Lima, 2011). Para chegar a uma autonomia do político por meio de um critério próprio de identificação, o jusfilósofo tentará distanciar a categoria do político do âmbito de outras categorias, buscando evidenciar que a relação política é autônoma e distinta de outras como a moral, em que as diferenciações antagônicas envolvem o bom e o mau; a estética, que envolve o belo e o feio; do âmbito econômico, que diz respeito ao que é útil e prejudicial e assim por diante (Schmitt, 2008), de modo a defender que a política pode ser definida a partir da distinção amigo-inimigo.
A diferenciação especificamente política, à qual podem ser relacionadas as ações e os motivos políticos, é a diferenciação entre amigo e inimigo, fornecendo uma definição conceitual no sentido de um critério, não como definição exaustiva ou expressão de conteúdo. Na medida em que não é derivável de outros critérios, ela corresponde para o político aos critérios relativamente autônomos de outras antíteses: bom e mau no moral; belo e feio no estético etc. Em todo caso, ela é autônoma, não no sentido de um novo âmbito próprio, e sim no modo de que nem se fundamenta em uma daquelas outras antíteses ou em várias delas, nem pode ser relacionada a elas. Se a antítese entre bom e mau não é idêntica sem dificuldades e de forma simples àquela entre belo e feio ou entre útil e prejudicial e não lhe pode ser diretamente relacionada, então a antítese entre amigo e inimigo pode ser ainda menos confundida ou mesclada com uma daquelas outras antíteses. (Schmitt, 2008)
Sobre a diferenciação entre a antítese amigo e inimigo, Carl Schmitt em seguida destaca:
a diferenciação entre amigo e inimigo tem o propósito de caracterizar o extremo grau de intensidade de uma união ou separação, de uma associação ou desassociação, podendo existir na teoria e na prática, sem que, simultaneamente, tenham que ser empregadas todas aquelas diferenciações morais, estéticas, econômicas e outras. o inimigo político não precisa ser moralmente mau, não precisa ser esteticamente feio; ele não tem que se apresentar como concorrente econômico e, talvez, pode até mesmo parecer vantajoso fazer negócios com ele. ele é precisamente o outro, o desconhecido e, para sua essência, basta que ele seja, em sentido especialmente intenso, existencialmente algo diferente e desconhecido, de modo que, em caso extremo, sejam possíveis conflitos com ele, os quais não podem ser decididos nem através de uma normalização geral empreendida antecipadamente, nem através da sentença de um terceiro “não envolvido” e, destarte, “imparcial”. (Schmitt, 2008)
Percebe-se que as relações sociais se constituem a partir de dissociações em que a relação de amizade e inimizade diz respeito diretamente ao mundo público. Não obstante, há a noção de que qualquer relação social poderia tomar a forma de relação de grandeza política, isto é, ser caracterizada ou abrangida por essa dialética da luta que é própria do político, desde que essa relação chegue “ao ‘ponto decisivo’ (entscheidenden Punkt), caracterizado pela intensidade da oposição especificamente política” (Lima, 2011), porque o que de fato interessa “é o caso do conflito” (Schmitt, 2008). Sobre esse ponto, Schmitt ainda argumenta:
Se as forças antagônicas econômicas, culturais ou religiosas forem tão fortes a ponto de definirem, por si mesmas, a decisão sobre o caso crítico, elas terão se convertido na nova substância da unidade política. Se não forem fortes o suficiente para evitar uma guerra deliberada contra seus interesses e princípios, ficará evidenciado que não alcançaram o ponto decisivo do político. (Schmitt, 2008)
Ora, dentro da perspectiva do autor, não há uma determinação substancial acerca do político, pois ao atingir esse ápice de entrar em um potencial conflito factual, qualquer associação de pessoas ou relação social pode tornar-se em ato uma relação política, haja vista que “toda contraposição religiosa, moral, econômica, étnica ou de outra categoria transforma-se em uma contraposição política quando é forte o suficiente para agrupar os seres humanos efetivamente em amigos e inimigos” (Schmitt, 2009). Aliás, Schmitt chama a atenção para o fato de que isto é válido nas mais diversas modalidades de associações entre pessoas.
Mesmo uma classe no sentido marxista do termo cessa de ser algo puramente econômico e se torna uma grandeza política quando chega nesse ponto decisivo, ou seja, quando leva a sério a luta de classes, tratando o adversário de classe como o inimigo real e o combatendo, seja como Estado contra Estado, seja na guerra civil dentro de um Estado. Desse modo, a luta real necessariamente não mais transcorrerá conforme leis econômicas, e sim terá – além dos métodos de combate no sentido técnico mais estrito –, seus compromissos, suas coalizões, suas necessidades e orientações políticas etc. (Schmitt, 2008)
Quando a real possibilidade de enfrentar fisicamente o inimigo se manifesta, a partir do momento em que a intensidade é suficiente para dividir um grupo de pessoas entre amigos e inimigos, antíteses como a da esfera estética, econômica ou moral tornam-se, nesse momento, políticas. Sobre esse ponto, Deyvison Rodrigues Lima destaca:
(...) Schmitt não se refere a qualquer relação, mas apenas a relações conflitivas que alcancem a intensidade existencial do conflito, ou seja, o caráter relacional do político é marcado estruturalmente por relações de oposições e dissenso, pois qualquer dissociação concreta, ou seja, dada a partir de uma configuração histórica de formas de vida transforma-se em uma dissociação política quando discrimina entre amigos e inimigos, o que caracteriza em termos gerais seu existencialismo político. Entretanto, não se pode reduzir o critério do político ao seu lado da negatividade e afirmar simplesmente que o político é caracterizado pela inimizade. A dialética do político exige os dois polos: amizade e inimizade. Não existe apenas inimigo e dissenso radical, mas também associação e identidade. A sutileza do argumento schmittiano para compreender o que está em jogo, como afirma o autor num texto chave sobre Däubler, é que “o inimigo é a nossa própria pergunta enquanto forma e ele nos arrasta, e nós a ele, para o mesmo fim.” (...) Assim, Schmitt busca na condição humana, o significado do político, ou seja, o elemento polêmico que une e separa os homens, seja pelo consenso seja pelo dissenso. (Lima, 2011)
É preciso entender o inimigo em seu sentido concreto e existencial, não podendo ser misturado a qualquer noção de cunho econômico, moral e assim por diante (cf. Schmitt, 2008). O inimigo a qual Schmitt se refere é sempre o inimigo público (hostis), não consistindo em um concorrente ou adversário no sentido geral. Aliás, destaca que “tampouco é inimigo o adversário privado a quem se odeia por sentimentos de antipatia” (Schmitt, 2008). Em seguida, ressalta:
Inimigo é apenas um conjunto de pessoas em combate ao menos eventualmente, i.e., segundo a possibilidade real e que se defronta com um conjunto idêntico. Inimigo é somente o inimigo público, pois tudo o que se refere a um conjunto semelhante de pessoas, especialmente a todo um povo, se torna, por isso, público. Inimigo é hostis, não inimicus em sentido amplo; polemios, não echtros. (Schmitt, 2008)
O inimigo como a condição concreta da possibilidade do político é um inimigo real. Ele é existencialmente o “outro” e “desconhecido”, em que o conflito se torna uma possibilidade em ato. É essa mais extrema possibilidade que constitui a política. No entanto, a noção de inimigo para Schmitt não necessariamente se aplica a cada antagonista, mas apenas para um inimigo público. Indivíduos particulares, associações e outras instituições do tipo podem ter adversários, mas apenas entidades políticas têm verdadeiros inimigos, tendo em vista que para um indivíduo, como tal, não há nenhum inimigo. Nesse sentido, Schmitt subscreve a distinção de Platão entre inimigos particulares (echtros) e públicos (polemios), correspondentes a duas formas de luta, uma disputa entre os helenos (stasis) e uma verdadeira guerra contra os bárbaros (polemios).
Todavia, Schmitt enfatiza que cada disputa – religiosa, ética ou econômica – ou levante privado, isto é, cada stasis, tem o potencial para se tornar uma luta entre amigos e inimigos e, portanto, uma guerra pública entre inimigos públicos. Em outras palavras, toda disputa privada leva potencialmente para a constituição de uma entidade política separada, porque “é precisamente esta possibilidade real da existência do inimigo que permite a unidade política” (Bueno, 2010). Tribos, cidades e impérios, por exemplo, têm se mostrado como tais entidades, mas Schmitt repetidamente enfatiza que na Europa moderna elas estão acima de todos os estados. Apenas os Estados – entendidos como “o status político de um povo organizado dentro de uma unidade territorial” (Schmitt, 2008) – tem inimigos na modernidade.
Roberto Bueno chama a atenção de que há implicitamente, dentro do conceito de político e sociedade, essa real possibilidade do conflito, enfatizando inclusive que não haveria de fato política em um mundo em que não houvesse a presença da dualidade amigo-inimigo (cf. Bueno, 2010). Nesse sentido, o político deve ser inteiramente tomado, então, “como o território do conflito, não sendo possível para o pensamento schmittiano imaginar uma harmonização feita mediante discussão parlamentar, discussão esta que busca um consenso racional no universo do político” (Ramiro e Do Rio, 2015).
Não obstante a isso, Schmitt enfatiza que compete a essa unidade essencialmente política, o Estado, a “real possibilidade de determinar o inimigo no caso dado por força de decisão própria e de combatê-lo” (Schmitt, 2008). Nas suas palavras:
O Estado enquanto unidade política normativa concentrou em si mesmo uma imensa competência: a possibilidade de fazer guerra e, assim, de dispor abertamente sobre a vida das pessoas. Isto em virtude do fato de que o jus belli contém tal disposição; significa a dupla possibilidade: exigir de membros do próprio povo prontidão para morrer e prontidão para matar, e matar pessoas do lado inimigo. Mas o desempenho de um Estado normal consiste, sobretudo, em obter dentro do Estado e de seu território uma pacificação completa, produzindo “tranquilidade, segurança e ordem” e criando, assim, a situação normal; esta é o requisito para que as normas jurídicas possam ter eficácia absoluta, pois toda norma pressupõe uma situação normal e nenhuma norma pode ter validade para uma situação que lhe é plenamente anormal. (Schmitt, 2008)
Veja, tem-se um fator muito importante nesse ponto, pois o jus belli, ou seja, a decisão sobre a guerra e o inimigo paira sob o Estado, havendo inclusive a possibilidade de que, em situações excepcionais, sejam estipulados certos inimigos dentro dos limites do Estado, de modo a garantir a normalidade, isto é, para garantir a ordem.
Em situações críticas, esta necessidade de pacificação intra-estatal leva a que o Estado, como unidade política, enquanto existir, também determine, por si mesmo, o “inimigo interno”. Destarte, em todos os Estados, de alguma forma, há o que o Direito Público das repúblicas gregas conhecia por declaração de polemios e o Direito Público romano por declaração de hostis, ou seja, tipos de desterro, de ostracismo, de proscrição, de banimento, de colocação hors la loi, em suma, tipos de declaração de inimigos intra-estatais, podendo ser estes tipos mais rigorosos ou mais suaves, supervenientes ipso facto ou com efeito jurídico em virtude de leis especiais, explícitos ou encobertos por meio de circunscrições genéricas. (Schmitt, 2008)
A afirmação de Schmitt é de suma importância, pois nas situações críticas, o assim estipulado inimigo interno – o outro, o diferente – poderia ser destruído pelo Estado, a fim de garantir a “tranquilidade, segurança e ordem” (cf. Schmitt, 2008). Sobre isso, Roberto Bueno brilhantemente destaca:
A democracia encontra-se ligada em Schmitt com sua acérrima crítica ao liberalismo. Ela requer a aplicação do conceito de homogeneidade a ponto de, no limite, ser necessário “eliminar ou aniquilar o heterogêneo” (...). Mesmo sendo esta uma ideia absolutamente incompatível com nosso conceito contemporâneo de democracia, para Schmitt não havia problemas em admitir tal radical possibilidade. A rigor, isto se encontra justificado pela admissão de que é possível “excluir uma parte da população dominada pelo Estado, sem deixar de ser democracia”. (...) em Schmitt a exclusão pode compartilhar espaço com o conceito de democracia, argumento para o qual o autor busca apoio histórico tanto na Antiguidade como contemporaneamente no Império Britânico. A universalidade de direitos, portanto, encontra-se com a possibilidade de exclusão dentro de um mesmo território, por exemplo, de todos aqueles que são estrangeiros. Estes, como os escravos, por exemplo, não desfrutavam de direito de voto e de voz (...). Desta forma, a igualdade universal de direitos bem como a igualdade são, portanto, uma concepção cara ao liberalismo (...) antes do que um conceito ligado à democracia, ao menos não desde a ótica em que Schmitt entende o conceito de democracia. Mas se é possível dizer que parcialmente lhe assiste razão a Schmitt ao comentar que, por exemplo, os estrangeiros não desfrutam de direitos, isto sim, a nosso ver o problema é que Schmitt leva o argumento muito além do razoável. Schmitt amplia o argumento a ponto de excluir do mundo dos direitos toda uma ampla gama de cidadãos por motivos de raça, religião, preferências político-partidárias ou ideológicas bem como sexuais. Desta maneira Schmitt amplia muitíssimo a esfera dos excluídos de direitos em um determinado Estado, especificamente o nacional-socialista. (Bueno, 2010)
Roberto Bueno atenta-se para a crítica que Schmitt faz contra o sistema parlamentar, um government by discussion (cf. Schmitt, 1996a), e como essa mesma crítica está diretamente relacionada à possibilidade de aniquilação do diferente, do heterogêneo. Schmitt, em sua obra “A crise da democracia parlamentar”, dirá abertamente que é preciso distinguir o liberalismo e a democracia, pois só assim será reconhecido o caráter a qual denomina de “imagem heterogeneamente montada que constitui a moderna democracia de massas” (Schmitt, 1996a). Em última instância, a ideia de homogeneidade é própria do que o autor entende por democracia.
Em toda a verdadeira democracia está implícito que não só o igual seja tratado igualmente, mas que, como consequência inevitável, o não igual seja tratado de modo diferente. Portanto, a democracia deve, em primeiro lugar, ter homogeneidade e, em segundo, – se for preciso – eliminar ou aniquilar o heterogêneo. (...) A força política de uma democracia se evidencia quando mantém à distância ou afasta tudo o que é estranho e diferente, o que ameaça a homogeneidade. (Schmitt, 1996a)(Grifo nosso)
Schmitt busca argumentar que uma democracia “pode excluir uma parte da população dominada pelo Estado, sem deixar de ser democracia” (Schmitt, 1996a). Para exemplificar isso, o autor destaca casos em que quando se falava em direitos universais ao voto e assim por diante, muitos grupos eram ignorados, isto é, não eram abarcados pelo direito ao sufrágio universal. Há, assim, a noção de uma “possibilidade de dominar uma população heterogênea sem lhe conceder a cidadania, tornando-a dependente desse Estado democrático e ao mesmo tempo mantendo-a afastada dele” (Schmitt, 1996a).
Perante o assinalado, é evidente que para atingir a homogeneidade pretendida, o heterogêneo poderia vir a ser totalmente eliminado. Ora, dentro dessa possibilidade de enfrentamento real e do contexto social a qual o autor estava inserido, a saber, de mudança radical na forma governamental1, a impressão de que o regime republicano carregava consigo a vergonha da derrota que veio imediatamente ao findar da Primeira Guerra Mundial e representava a decadência dos valores tradicionais alemães, somado ao seu caráter marcadamente autoritário, a questão que fica é justamente se não haveria a possibilidade do pensamento schmittiano voltar-se como base para sustentação – ou como forma de fornecer legitimidade – à toda a barbárie que viria posteriormente com a ascensão dos nazistas ao poder. Nessa linha, Roberto Bueno (Bueno, 2010) argumenta:
Quando Schmitt se ocupa com o conceito de homogeneidade (homogenität) não há evidentes pistas de que o fizesse segundo termos proclives a uma abordagem racial do tema. Importante, contudo, é que tampouco cuida de excluir tal possibilidade. Ao omitir esta dimensão teórica do tema, Schmitt passa, mesmo que indireta e/ou inadvertidamente, a reforçar toda uma argumentação posterior. A homogeneidade será tomada por parte da cultura política do período, em especial daquela oriunda das fileiras nacional-socialistas e do conservadorismo revolucionário, como marcada por um viés eminentemente racial.
Não obstante, em uma passagem um tanto quanto conturbada, Mika Ojakangas nos fornece algumas inquietações que podem servir de base para a discussão de uma potencial má interpretação de Schmitt – ou até mesmo a possibilidade de levar adiante a proposta schmittiana – por parte dos nazistas, e de seus leitores, nesse caso, culminando na classificação do povo judeu como os inimigos reais do povo alemão. Nas suas palavras:
O judeu é o outro e, assim, o inimigo, mas porque não se pode identificá-lo como o outro, ele deve ser o outro absoluto, o inimigo em sua falta de forma absoluta. Por esta razão Schmitt escreve: “O verdadeiro inimigo é o judeu assimilado.” Em outras palavras, Schmitt acredita que o judeu não é o verdadeiro inimigo, isto é, o inimigo absoluto ou o “último inimigo”, como Jacques Derrida expressa, por conta de sua degradação moral, estética ou científica ou porque o seu valor enquanto ser humano seria negado. Ele é o inimigo absoluto, porque é impossível identificá-lo – porque o judeu não tem nenhuma forma de vida própria em primeiro lugar. Ele é como eu, ele vive como eu, mas ele não pode ser meu amigo – por quê? Pela razão de que a identidade de Schmitt como um cristão é constituída pelo fato de que o judeu é o inimigo, que o judeu, independentemente de seu “virtuosismo de mimetismo” contemporâneo, é o assassino de Cristo. Aqui, a teologia política, que traça analogias entre conceitos teológicos e políticos, é transformada em políticas teológicas, que visa uma justificação religiosa, se não de guerra e morte, então, pelo menos, de ódio pessoal. (Ojakangas, 2004) (Tradução nossa)2
A ideia do presente trabalho não é defender categoricamente a tese de que Schmitt de certa forma fundamenta – ou busca fundamentar – o que posteriormente seria reconhecido como um dos piores crimes praticados contra a humanidade, mas sim questionar e chamar a atenção para o fato de que partindo unicamente da argumentação schmittiana e levando-a às últimas consequências, para promover uma certa homogeneidade – especialmente no sentido racial – ao povo alemão, a barbárie dos campos de extermínio é o mínimo que se pode concluir de seus pressupostos teóricos.
Os questionamentos acerca dessa supervalorização da homogeneidade a ponto de defender que o inimigo público que escapa a essa normalidade seja destruído a fim de garanti-la são todos aceitáveis, haja vista que após a Revolução Alemã, em 1918, houve inúmeras críticas contra os denominados “conspiradores”, inimigos do povo alemão, que seriam justamente os judeus. Através do disseminado mito da “punhalada nas costas” (Dolchstosslegende), em que inimigos internos, em específico os judeus, foram acusados de “derrubarem um Exército invicto no exterior, mas traído dentro do próprio país” (Fulbrook, 2012).
Hitler, em sua obra “Minha Luta”, acusa abertamente os judeus de serem os “culpados” pela vergonha da derrota na grande guerra e pelo armistício forçado após a Revolução Alemã em 1918. Sobre esse ponto, é interessante citar alguns trechos do comentário que ele faz sobre essa revolução – que culminou no fim da guerra – e os culpados por ela. Verifica-se que há claramente um sentimento de profunda tristeza com o findar do Império e um intenso desdém para com o recém-formado regime republicano. Nas suas sombrias palavras:
Já há algum tempo pairava no ar algo de incerto e desagradável. Dizia-se que, dentro de algumas semanas, ia haver alguma cousa! Eu não compreendia o que se queria dizer com isso. (...) E, finalmente, um dia, inopinadamente, deu-se a desgraça. Marinheiros vindos em caminhões incitavam à revolução. Alguns rapazolas judeus eram os “dirigentes” dessa luta pela “liberdade, beleza e dignidade” de nosso povo. Nenhum deles tinha estado no front. Os três orientais tinham sido mandados para casa pelo recurso a um "lazareto de doenças venéreas". Agora içavam na Pátria o trapo vermelho. (...) Ainda tive a esperança de que se tratasse de uma traição mais ou menos de caráter local. (...) Nunca pude imaginar que também em Munique a loucura se desencadeasse. A mim me parecia que a fidelidade à digna casa de Wittelsbach fosse mais forte do que a vontade de alguns judeus. (...) Os dias seguintes foram passando e, com eles, veio a mais terrível certeza de minha vida. Os boatos aumentavam constantemente. O que eu tinha tomado por uma questão local era na realidade uma revolução geral. (...) A dez de novembro o velho pastor veio ao hospital para uma pequena prédica. (...) O velho e digno senhor parecia tremer ao nos comunicar que a casa dos Hohenzollern não mais poderia usar a coroa imperial e que a Pátria se tinha transformado em república, e que só restava pedir ao Todo-Poderoso que concedesse a sua bênção a essa transformação e não abandonasse o nosso povo de futuro. (...) No pequeno salão havia profundo desânimo em todos os corações e creio que não havia quem pudesse conter as lágrimas. Quando o pastor procurou continuar e começou a comunicar que teríamos que acabar essa longa guerra e que a nossa Pátria, agora que tínhamos perdido a guerra e estávamos sujeitos à misericórdia do inimigo, iria sofrer grandes opressões e que o armistício seria aceito dependendo da magnanimidade dos nossos inimigos – eu não me contive. (...) Tudo tinha sido em vão. Em vão todos os sacrifícios e privações, e em vão a fome e a sede de meses sem fim. Em vão as horas em que, transidos de pavor, cumpríamos assim mesmo o nosso dever, e em vão a morte de dois milhões que então caíram. Seria que não se iam abrir os túmulos das centenas de milhares que outrora tinham partido com fé na Pátria para nunca mais voltarem? Não se iriam abrir esses túmulos, a fim de enviarem à nação os heróis mudos enlameados e ensanguentados, quais espíritos vingativos, pela traição do maior sacrifício que um homem pode oferecer nesse mundo? Foi para isso que morreram os soldados de agosto e setembro de 1914? Foi para isso que se lhes ajuntaram os regimentos de voluntários do Outono desse mesmo ano? Foi para isso que rapazes de 17 anos tombaram na terra de Flandres? Era esse o sentido do sacrifício oferecido pelas mães alemãs à Pátria, quando, com o coração partido, deixavam partir seus filhos mais caros para não mais revê-los? Tudo isso aconteceu para que agora um punhado de miseráveis criminosos pudesse pôr a mão sobre a Pátria? (...) Valeria a Alemanha do passado menos do que supúnhamos? Não tinha ela obrigações para com a sua própria História? Éramos nós ainda dignos de nos cobrir com a glória do seu passado? Como poderíamos justificar às gerações futuras esse ato do presente? Miseráveis e depravados criminosos! (...) O imperador Guilherme II tinha sido o primeiro imperador alemão que tinha oferecido a mão à conciliação com os líderes do marxismo, sem se lembrar que bandidos não têm honra. Enquanto eles seguravam a mão do imperador com a outra procuravam o punhal. Com judeus não se pode pactuar. Só há um pró ou um contra”. (Hitler, 1983)(Grifo nosso).
A longa passagem supracitada se legitima, na medida em que representa precisamente o sentimento de aversão ao governo republicano, assim como inicia abertamente certa campanha publicitária na estipulação de um culpado, de um inimigo do Estado. Mesmo com a substituição do Império Alemão, de Guilherme II, pela República de Weimar, com a liderança de Friedrich Ebert, a impressão é de que a sociedade ainda não comportava tamanha mudança. Buscava-se afirmar publicamente que os judeus, os socialistas e até mesmo os moderados foram os culpados por toda desgraça acometida ao povo alemão em detrimento do Tratado de Versalhes e a humilhação que este trouxe consigo, ou melhor, concentraram neles todo o sentimento de desmoralização e fracasso da outrora grandiosa nação.
Diante do exposto, não só fica claro como também é de suma importância ressaltar que a construção do mito, ou melhor, a delimitação do povo judeu enquanto inimigo que a nação alemã deveria combater a todo custo começara antes mesmo de Schmitt apresentar pela primeira vez sua obra Der Begriff des Politischen, em uma conferência no ano de 1927. É justamente nesse contexto turbulento que o autor constrói sua argumentação, sofrendo grande e grave influência, como fica evidente em suas palavras marcadamente de cunho autoritário. Ainda sobre a delineação do inimigo e o perigo de sua indeterminação, Primo Levi, judeu italiano sobrevivente do campo de Auschwitz, pontua:
A loucura hitleriana considerava inimigo não só um determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, mas uma raça inteira, e os campos, principalmente o de Auschwitz, tornaram-se o cemitério dos judeus. (...) A partir de 1939, o nazismo passou a considerar os patriotas das várias nações ocupadas que julgavam necessário resistir ao invasor como inimigos políticos; daquele momento em diante, os campos de concentração alemães se encheram de resistentes de toda a Europa, verdadeira elite internacional de homens livres, em primeiro lugar os poloneses, depois franceses, belgas, luxemburgueses, gregos, húngaros, romenos, soviéticos, iugoslavos e, depois de 8 de setembro de 1943, os italianos. (Levi, 2015)
O modo com que Schmitt trabalha a esfera do político admite várias leituras e críticas, porém não se pode negar a possibilidade de enfrentamento e destruição física do inimigo. Essa prerrogativa está clara e evidente no texto schmittiano. Os resultados práticos de tais colocações é que são questionáveis, ou melhor, o coeficiente da aniquilação de certos povos considerados inimigos públicos é que pode ser colocado à discussão, mas não a impossibilidade de se chegar a tais atos de barbárie.
Ainda que a finalidade não seja defender Schmitt em sua totalidade, é preciso investigar se haveria ou não a possibilidade de colocá-lo como uma espécie de antissemita que apoiaria os horrores cometidos nos campos de extermínio conforme defendido supra, pois as repercussões práticas de toda sua fundamentação culminam – sem qualquer equívoco na interpretação – em todo o mal perpetrado no campo de extermínio de Auschwitz.
Nessa linha, Roberto Bueno destaca:
Ainda tão cedo quanto em sua conferência de 1927, logo transformada em texto, e momento em que a República ainda poderia almejar alguma chance, Schmitt não revelou qualquer preocupação positiva com um Estado de Direito. A proteção deste outro alvo de passível extermínio, ao contrário, era o foco. Schmitt procurou mantê-lo inominado, engenhosamente incógnito, ocupando uma estratégica posição de fundo em seu trabalho, mas sempre pronto a ser daquela posição retirado tão pronto como o novo Estado total galgasse o poder. Estes movimentos de extermínio apenas auxiliariam os interesses do regime nacional-socialista em proceder a uma constituição estética do padrão de beleza, por certo único e linear, cuja uniformidade exclui o diverso que, na concepção política schmittiana, está representada pela figura do inimigo. (Bueno, 2011)
É visível que a possibilidade de estipulação de um inimigo interno (hostis), desde que este ameace o Estado ou se mostre como comprometedor – em termos schmittianos – ao “nosso” modo de vida, possui um caráter um tanto quanto abrangente, ou seja, caso fosse conveniente em determinada circunstância, nada impediria a possibilidade de que os judeus – ou inclusive o próprio povo alemão – ocupassem o papel de inimigo público, sendo, assim, passíveis de enfrentamento físico e, não obstante, extermínio.
Prostrado o homem, em sua força o soberano elimina aos seus desafetos sob o pretexto da pública inimizade, mas que, na insensata ilimitação do poder absoluto, vê-se transformada a eliminação do inimigo público (hostis) através da determinação pelo Estado na mera indicação do indesejável (...). A eliminação do outro no âmbito público adquire o sentido de (per)seguir uma específica existência, de fazer desaparecer o outro em um vazio, a um não-mais-aí, de bárbara configuração. Contudo, assinalava Canetti, o morto não deveria desaparecer por completo para que a sensação de triunfo pudesse se materializar (...). Isto nos recorda à Antígona, de Sófocles, situação em que a brutalidade deveria perpetuar-se ante o olhar humano para que o impacto da barbárie pudesse calar ainda mais fundo. Contemporaneamente, contudo, a satisfação nacional-socialista com o processo de eliminação (Vernichtung) do outro era adensada e adentrava também no impensado terreno da eliminação dos vestígios daquela existência: já não bastaria tripudiar sobre o corpo físico, mas também a memória haveria de ser alcançada e desonrada, se procura exterminar bem mais do que a fisicidade. A satisfação totalitária em seu processo de extermínio haveria de ser completo, tanto física quanto historicamente, e os instrumentos para tanto, câmaras de gás à frente, foram mostra desta tentativa de dissolução do homem em seu tempo, espaço, cultura e honra. (...) Os inimigos a quem deveria ser reservado tal nefasto destino não foram expressamente indicados por Schmitt. Tanto quanto pior a alternativa na medida em que a imprecisão haveria de permitir englobar todo e qualquer nos limites do potencial inimigo ao qual enfrentar. Na medida em que atos de insubordinação possam ter lugar contra os desígnios do soberano, a estrutura cesarista antirrepublicana de Schmitt não hesita em apoiar o direito do Estado em indicá-lo como inimigo para, passo seguinte, realizar as consequências desta suposta inimizade, procedendo ao extermínio de opositores reputados como defensores de ideologias contrárias aos princípios totalitários. (Bueno, 2011)
Ojakangas (Ojakangas, 2004) se equivoca ao argumentar que Schmitt introduz o povo judeu como hostis, como os inimigos da nação que deveriam ser destruídos a qualquer custo, pois Schmitt não o faz abertamente. Entretanto, como destaca Roberto Bueno, Schmitt deixa o inimigo público inominado, indeterminado, fazendo com que, dependendo da circunstância, o soberano – no contexto, o Presidente do Reich – pudesse arbitrariamente determinar o inimigo público e, passo seguinte, o destruir.
Isso tudo seria possível uma vez que a própria Constituição de Weimar, por intermédio do artigo 48, revestia o Executivo de plenos poderes, de tal forma que se contrapunha com facilidade ao legislativo. Aliás, previsto no citado artigo da Constituição weimariana, um dos poderes que a ele competia enquanto Chefe de Estado era o de justamente dissolver o Reichstag quando julgasse conveniente. Também tinha a autoridade de decretar estado de emergência a qualquer momento em caso de ameaça contra a segurança pública, em prol de assegurar a manutenção da lei e da ordem social, como prevê em seu texto:
Artigo 48. Se um estado não cumprir com as obrigações impostas a ele pela Constituição ou as leis do Reich, o Presidente do Reich pode usar a força armada para fazer com que ela se cumpra.
No caso de a segurança pública se encontrar seriamente ameaçada ou perturbada, o Presidente do Reich poderá tomar as medidas necessárias para reestabelecer a lei e a ordem, usando de força armada caso necessário. Na consecução desse objetivo, ele poderá inclusive suspender os direitos civis descritos nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 154, parcial ou totalmente.
O Presidente do Reich deve informar ao Reichstag imediatamente sobre todas as medidas que estão baseadas nos parágrafos 1 e 2 do presente artigo. As medidas têm de ser imediatamente suspensas caso o Reichstag assim o exigir.
Se o perigo for iminente, o governo estatal pode, pelo seu território específico, implementar medidas como as descritas no parágrafo 2. No entanto, essas medidas devem ser suspensas caso demandado pelo Presidente do Reich ou pelo Reichstag. Mais detalhes estão previstos na lei do Reich. (Tradução nossa)3
Para assegurar ou manter a lei e a ordem, o presidente poderia suspender direitos civis garantidos constitucionalmente como o previsto nos artigos 114 e 115 citados, que traziam em seu texto que os direitos dos indivíduos eram invioláveis, bem como o acesso a suas residências. O artigo 117 dizia respeito à privacidade, havendo a possibilidade de violação nos casos excepcionais. Não obstante, o artigo 118 merece certa atenção, pois trata da liberdade de expressão, isto é, de que todo alemão tinha direito de expressar sua opinião de qualquer forma possível, não havendo qualquer limitação ou censura, a menos em casos de perturbação da ordem pública, sendo cabível a sua suspensão. Os artigos 123, 124 e 154 tratavam sucessivamente de que todos os alemães tinham o direito de se reunirem pacífica e ordeiramente, formar clubes ou sociedades, e também o direito à herança. Assim, em casos excepcionais, todos esses direitos fundamentais poderiam ser parcialmente ou totalmente revogados.
As consequências no plano social podem ser drásticas e irreversíveis, uma vez que a concessão de tal prerrogativa – ou poderes excepcionais – pode inclusive ser usada para conter conflitos e manifestações dentro dos limites do Estado. Significa dizer que, em nome da manutenção da lei e da ordem, inimigos internos poderiam facilmente ser eliminados conforme decisão do Soberano. Tal caráter de indeterminação do inimigo público é propriamente o cerne da discussão schmittiana e o ponto de equívoco de Mika Ojakangas, que atribui um caráter de limitação ao potencial totalitário de Schmitt.
O inimigo schmittiano é delimitado somente do ponto de vista formal, deixando deliberadamente de lado a matéria que irá compor essa estrutura. Por isso que não seria correto atribuir ao autor que o inimigo seria propriamente o povo judeu, pois isto reduziria e limitaria o potencial totalitário do pensamento político de Schmitt. Nesse sentido, o autor não chega a dar o passo de estipular categoricamente a quem deveria ser reservado o nefasto destino de serem reduzidos a cinzas nos campos de extermínio. Ora, agindo assim, poderia facilmente se distanciar de uma possível responsabilidade intelectual pelo incentivo à violência e barbárie.
Na medida em que não estipula a matéria que irá compor a forma do inimigo, Schmitt abre o leque a interpretações diversas, fazendo com que haja a possibilidade de qualquer um tomar a forma de inimigo público (hostis), tornando-se, assim, passíveis de aniquilação. Nesse sentido, não só o povo judeu poderia ser abarcado ou caracterizado como hostis, mas qualquer povo ou agrupamento de pessoas que se mostrassem contrários, como argumenta Bueno (Bueno, 2011), aos “desígnios do soberano”.
Não obstante, Roberto Bueno (Bueno, 2010) acerta quando chama a atenção para o fato de que a “eliminação do outro no âmbito público adquire o sentido de (per)seguir uma específica existência, de fazer desaparecer o outro em um vazio, a um não-mais-aí, de bárbara configuração”, visto que a satisfação totalitária nazista com relação ao extermínio de judeus haveria de ser completa, eliminando-os não só fisicamente, mas também da história. Nesse ponto, cumpre destacar o relato do já mencionado sobrevivente Primo Levi, que, em várias passagens, traz à tona o medo – amplamente difundido pelos soldados SS – que os prisioneiros sentiam de relatar e ninguém os ouvir, de caírem no esquecimento em razão do absurdo perpetrado no campo.
Seja qual for o fim desta guerra, a guerra contra vocês nós ganhamos; ninguém restará para dar testemunho, mas, mesmo que alguém escape, o mundo não lhe dará crédito. Talvez haja suspeitas, discussões, investigações de historiadores, mas não haverá certezas, porque destruiremos as provas junto com vocês. E ainda que fiquem algumas provas e sobreviva alguém, as pessoas dirão que os fatos narrados são tão monstruosos que não merecem confiança: dirão que são exageros da propaganda aliada e acreditarão em nós, que negaremos tudo, e não em vocês. Nós é que ditaremos a história dos Lager. (Levi, 2004)
Observa-se, nesse caso, que o processo de eliminação (Vernichtung) do outro, transformado, na Alemanha nazista, em política de Estado, atingiria o seu mais alto grau, não havendo qualquer distinção entre homem, mulher e criança no decurso da aniquilação dessa raça inferior aos Herrenvolk, o povo de senhores e heróis. A aniquilação do diferente por ser diferente haveria de atingir a magnitude, de tal modo que não houvessem mais resquícios de sua existência, como assinalava os soldados SS em Auschwitz. O resultado de tamanha crueldade pode ser visto na atualidade, em que não se tem um número exato dos que tombaram no Lager4.
O modelo de operação do nacional-socialismo sempre operou na chave da exclusão racial, pautando-se por uma doutrina que possibilitou e fundamentou a defesa de que o estrangeiro, o outro, o diferente pudesse ser considerado o inimigo. O que importa dizer é que, nesse modelo de organização evidentemente autoritário, sempre se fará necessário aproximar a teoria do inimigo, de modo a construir essa figura de um inimigo. Todo aquele que não serve, o pária, é o inimigo, e contra o inimigo público tudo é possível.
Nessa linha de pensamento, levado adiante, o arcabouço teórico-político de Schmitt não deixa outra interpretação senão a de que há, de fato, um potencial totalitário em seu pensamento e o perigo de tais concepções leva-nos a ter uma posição crítica e receosa com relação à retomada desse pensador no mundo contemporâneo (Mouffe, 19995.
Considerações finais
Apesar da áurea – ou não-áurea, no caso – formada em seu entorno por causa de sua “apreciação” com relação ao Terceiro Reich e as críticas constantes à recém-formada democracia-parlamentar de Weimar, é preciso sempre questionar, a partir do contexto histórico na qual Carl Schmitt está inserido, se os partidários do nacional-socialismo poderiam ter feito uso do arcabouço teórico de sua obra, caracterizando e reduzindo certos grupos internos, em específico os judeus, à condição de inimigo público (hostis), tornando-os passíveis de serem destruídos e exterminados.
Como já vimos, levando a argumentação às últimas consequências, não seria possível chegar a outro resultado senão a barbárie, e, frente o contexto histórico alemão em questão, o que se percebe é que, com o triunfo do Nacional-Socialismo, a fundamentação schmittiana de eliminação do inimigo é retirada do campo teórico e transforma-se em políticas de Estado. Na manutenção da lei e a 6ordem, o Führer poderia facilmente fazer o uso da prerrogativa de estipular o inimigo público e destruir todos aqueles que se mostrassem contrários ao Terceiro Reich, incluindo o próprio povo alemão.
O mero fato de ser membro de um grupo de homens que merecesse ser chamado de inimigo já era uma suficiente razão para que recebessem tratamento ignominioso e, no limite, reservar-lhes a mais pura e ignara barbárie. A rigor, tudo quanto bastou aos perpetradores em seus primeiros passos foi a deflagração de uma eficiente campanha de demonização de determinados grupos e segmentos sociais acompanhada da paulatina instalação da violência (Gewalt) institucional. (Bueno, 2010)
A pretensão não foi a de apresentar Schmitt como um adepto à prática de todo o horror do campo de concentração e nem isentar ou defender suas posições teórico-políticas, mas tão-somente analisar a possibilidade de haver um potencial totalitário em seu pensamento, de modo a fornecer um caráter de legitimação aos atos de extrema crueldade praticados.
Diante do que restou dito até aqui, o que se chamou de alguns apontamentos acerca do conceito do político teve por objetivo uma brevíssima apresentação de alguns temas e problemas bastante complexos que se vinculam as demandas feitas ao pensamento jurídico-político de Carl Schmitt e que dizem respeito às interpretações feitas de quem seja o inimigo público (hostis) do jusfilósofo.
A tentativa foi de aproximar, adotando como linha de pesquisa as interpretações de Roberto Bueno, que o pensamento conservador e autoritário de Carl Schmitt não consistiu em delimitar um único concorrente ou adversário político no sentido geral, mas, sim, expressou sua repulsa a diferentes visões sociais e políticas que fossem capazes de ameaçar a “segurança, ordem e a harmonia” do Estado. Por essa razão, interpretar a aposta schmittiana como sendo o Estado uma unidade política que reservava aos judeus a classificação de inimigos públicos, acabaria por, consequentemente, legitimar toda a barbárie que posteriormente lhes foram cometidas.
Ainda que não haja uma resposta fechada aos critérios adotados por Schmitt para se estabelecer o hostis, é sabido que este não pode ser delimitado ou classificado, sob argumentos expressamente schmittianos, como o inimigo absoluto, havendo, portanto, brechas para que qualquer um seja capturado e trazido à tona como inimigo do Estado, passíveis de enfrentamento e destruição. Ora, ainda é recente o processo racionalizado de aniquilação maciça de certos povos considerados inimigos na Alemanha hitlerista, reduzindo-os a cinzas. A pergunta que resta, então, é a seguinte: quais serão os próximos inimigos?
Referências:
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Bueno, R. (2010). Schmitt: a Crítica Liberal A través do Político. Reflexión política, 12(24), 60-67.
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Lima, D. R. (2011). O conceito do político em Carl Schmitt. Argumentos, 3(05), 164-173.
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Schmitt, C. (1996a). A crise da democracia parlamentar (Trad. Inês Lohbauer). São Paulo: Scritta.
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1Graduando em Direito pela Faculdade Cidade Verde (FCV) e Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Brazil. Integrante do Grupo de Estudos Schmittianos – RIES/FCV (linha de pesquisa: Carl Schmitt como teórico da Constituição: a guarda da Constituição e o debate com Kelsen), vinculado à Rede Internacional de Estudos Schmittianos.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5258687371135762
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-5407-787X
Após a Revolução Alemã, em 1918, com o fim da Primeira Guerra Mundial, os países Aliados exigiram que a Alemanha tornasse uma república. Nesse sentido, ainda que havia algumas mudanças culturais ocorrendo na cidade de Weimar, a mudança para o regime republicano nem sempre foi bem-quista, tanto por parte da esquerda quanto da direita alemã. Essa é, sem dúvidas, uma das razões da queda da República de Weimar.
2 No original em inglês: “The Jew is the other and thereby the enemy, but because one cannot identify him as the other, he must be the absolute other, the enemy in its absolute formlessness. For this reason Schmitt writes: “The real enemy is the assimilated Jew.” In other words, Schmitt believes that the Jew is not the real enemy, that is, the absolute enemy or the “ultimate enemy”, as Jacques Derrida expresses it, on account of his moral, aesthetic or scientific degradation or because his human worth would be denied. He is the absolute enemy because it is impossible to identify him – because the Jew has no form of life of his own in the firstplace. He is like me, he lives like me, but he cannot be my friend – why? For the reason that Schmitt’s identity as a Christian is constituted by the fact that the Jew is the enemy, that the Jew, regardless of his contemporary “virtuosity of mimicry”, is the murderer of Christ. Here, political theology, which traces analogies between theological and political concepts, is transformed into a theological politics, which aims at a religious justification, if not of war and killing, then at least of personal hatred” (Ojakangas, 2004).
3 O inteiro teor do artigo foi traduzido a partir do original em alemão. No original: “Art. 48. Wennein Land die ihmnach der Reichsverfassungoder den ReichsgesetzenobliegendenPflichtennichterfüllt, kann der ReichspräsidentesdazumitHilfe der bewaffnetenMachtanhalten. Der Reichspräsidentkann, wennimDeutschenReiche die öffentlicheSicherheit und Ordnungerheblichgestörtodergefährdetwird, die zurWiederherstellung der öffentlichenSicherheit und OrdnungnötigenMahnahmentreffen, erforderlichenfallsmitHilfe der bewaffnetenMachteinschreiten. Zu diesemZweckedarfervorübergehend die in den Artikeln 114, 115, 117, 118, 123, 124 und 153 festgesetztenGrundrechteganzoderzumTeilaußer Kraft setzen. – 9 – Von allengemäß Abs. 1 oder Abs. 2 dieses ArtikelsgetroffenenMaßnahmen hat der Reichspräsidentunverzüglichdem Reichstag Kenntniszugeben. Die Maßnahmensind auf Verlangen des Reichstagsaußer Kraft zusetzen. Bei GefahrimVerzugekann die LandesregierungfürihrGebieteinstweiligeMaß- nahmen der in Abs.2 bezeichneten Art treffen. Die Maßnahmensind auf Verlangen des Reichspräsidentenoder des Reichstagsaußer Kraft zusetzen. Das NäherebestimmteinReichsgesetz”.
4 Ao se referir ao número dos que, no campo, tombaram, fala-se em algo aproximado a cinco, seis, sete milhões ou até mais. O número exato não se sabe, mas sempre há a referência a milhões de vidas ceifadas.
5 Cita-se autores como Chantal Mouffe, por exemplo, que retoma o pensamento schmittiano no que diz respeito a pensar a esfera política enquanto enfrentamento. Nas suas palavras: “El discurso político intenta crear formas especificas de unidad entre intereses distintos relacionando-los con un proyecto común y estableciendo una frontera que defina las fuerzas a las que hay que oponerse, el «enemigo». Schmitt tiene razón en afirmar que «el fenómeno de lo político no puede entenderse fuera del contexto de la posibilidad siempre presente de los agrupamientos de amigos-y-enemigos, con independencia de los aspectos que esta posibilidad implica para la moral, la estética y la economía». En política, el interés público siempre es un tema de debate y es imposible alcanzar jamás un acuerdo final; imaginar-se esa situación es soñar con una sociedade sin política” (Mouffe, 1999).